Topo

Em "Garota Exemplar", David Fincher faz retrato da sociedade do espetáculo

Alysson Oliveira

Do Cineweb, em São Paulo

01/10/2014 16h35

Na superfície, "Garota Exemplar", novo filme de David Fincher, baseado no romance homônimo, é sobre as dificuldades da vida a dois, sobre as concessões e sacrifícios necessários para manter um casamento. Longa estreia nesta quinta (2).

A mulher de Nick Dunne (Ben Affleck, eficiente), Amy (Rosamund Pike, assustadoramente bem), desaparece exatamente no dia em que completam cinco anos de casamento —"bodas de madeira", explica ele, que em todos os anos foi capaz de dar um presente relacionado à simbologia da data.

Nesse ano, no entanto, não conseguiu pensar em nada. Sua mulher, ao contrário, parece ter armado toda a comemoração eles faziam uma caça ao tesouro antes de sumir.

O romance escrito por Gillian Flynn, também autora do roteiro, combina uma narrativa intercalada com os pontos de vista do marido e da mulher, que, mais tarde, convergem numa das várias reviravoltas do romance.

No filme, as idas e vindas não são tão bem resolvidas, mas Fincher é um diretor técnico o suficiente para criar a tensão na construção das cenas e personagens. Eles vivem numa pequena cidade do Missouri, onde Nick é sócio da irmã gêmea, Margo (Carrie Coon), num bar, depois de perder o emprego numa revista em Nova York.

São tempos de crise financeira, shoppings fechados que se tornaram abrigos para viciados e mendigos, lojas e casas abandonadas. A crise financeira também atingiu os Dunne, cujas brigas já eram constantes e não só por conta da falta de dinheiro.

Quando a investigação começa, não demora muito para a responsável, detetive Rhonda (Kim Dickens), começar a desconfiar da participação de Nick no desaparecimento da mulher. Aqui, "Garota Exemplar" começa mostrar, então, qual é o seu tema: a boa e velha sociedade do espetáculo. Logo uma horda de jornalistas, cinegrafistas e fotógrafos estão dando plantão em todos os lugares por onde Nick passa.

A narrativa de Amy parte direto de seus diários. Por meio de flashbacks, descobre-se que ela é a inspiração para uma famosa série de livros infantis escritos por seus pais e protagonizados pela Amy Exemplar, calcada nela mesma o que leva o marido Nick a dizer: "Eles roubaram sua infância".

Também dos diários, surge uma versão do desenrolar da história de amor do casal. Mas, a toda hora nos lembra Fincher, essa é uma sociedade da aparência, e a verdadeira Amy é uma tremenda de uma atriz ela sabe o mundo em que vive (atua?) e dá exatamente aquilo que o seu público quer. Se eles querem sangue, é sangue que eles vão ter.

Fincher também sabe proporcionar exatamente aquilo que seu público quer. Se em "Seven", ele entregou a cabeça da mocinha dentro de uma caixa de papelão, aqui a mocinha não é mais a ingênua nem o mocinho tão heroico.

Ainda assim, "Garota Exemplar" parece tomar mais partido de Nick do que de Amy. Vê-se boa parte da história pelo seu ponto de vista mas ele também, com ajuda de um advogado (um surpreendente Tyler Perry), sabe fazer o jogo dos abutres da mídia sedentos por sangue.

O casamento e a relação humana são apenas a ponta do iceberg no filme, em que Fincher faz um retrato cândido de nossa sociedade governada pelas imagens aquela que criamos para nós, aquela que criam de nóse pelos jogos de poderdo qual sempre sai vitorioso quem tem mais dinheiro. Aqui não é diferente.

*As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb