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Ficha completa do filme

Drama

O Poderoso Chefão (1972)

Resenha por Márcio Ferrari

Márcio Ferrari

Da redação 04/02/2011
Nota 5

O recente lançamento de ''Tetro'' nos cinemas brasileiros tornou a lembrar a predileção do diretor Francis Ford Coppola pelos assuntos familiares (famílias italianas em particular), vistos simultaneamente como resistentes ao tempo e sujeitos a sua ação destrutiva. A caixa de DVDs (lançada em 2008; também existe em blu-ray) ''O Poderoso Chefão - The Coppola Restoration'' traz de volta sua mais famosa saga familiar e testemunha um passar do tempo menos desastroso, que mantém vivo os três filmes e as histórias por trás da construção desse monumento cinematográfico.

São quatro discos, um apenas com extras. Um dos documentários incluídos, que tem o título bem-humorado ''Emulsional Rescue'' (resgate emulsional), registra o trabalho minucioso de reconstituição das Partes I (1972) e II (1974). A Parte 3, por ser bem mais recente (1990) e feita com técnica mais moderna, não precisou de um socorro tão delicado.

O trabalho fotográfico-digital recupera o efeito visual do negativo com preto saturado desenvolvido pelo diretor de fotografia Gordon Willis especialmente para o primeiro filme, o que permitiu recobrar também os tons dourados das cenas filmadas em Nova York. Os dois primeiros filmes haviam sofrido muito com inúmeras copiagens. Além disso, durante muito tempo os espectadores ficaram sujeitos a vê-los em vídeo, inclusive em mais de uma versão remontada em ordem cronológica (isto é, com cenas do segundo filme vindo antes de cenas do primeiro). Coppola proibiu a reprodução desse ''experimento'' em DVD.

Outros extras presentes na caixa contam a história da produção dos três filmes, principalmente o primeiro, no qual, de início, ninguém parecia levar muita fé. Mesmo Coppola, então um cineasta considerado apenas promissor, hesitou em aceitar o convite para filmar o romance de Mario Puzo, cujos direitos a Paramount, em crise, havia comprado. Ele só topou (depois que vários diretores mais experientes e famosos recusaram) quando viu no enredo uma possibilidade de contar ''a história do capitalismo''. As filmagens foram tensas, com Coppola sempre ameaçado de substituição. Ele mesmo odiou o período, exceto pelo contato com os atores, e achava que o filme seria um fracasso. Os produtores só sossegaram quando viram a cena montada em que Michael Corleone (Al Pacino) mata um gângster e um chefe de polícia num restaurante.

Ainda entre os extras, fala-se muito da presença de ''O Poderoso Chefão'' na cultura norte-americana, de paródias a homenagens. O ator Alec Baldwin informa que Tom Hanks e o diretor Rob Reiner promovem regularmente ''festas do Chefão'', em que os convidados assistem aos filmes recitando os diálogos junto com os personagens. Um dos produtores de ''A Família Soprano'' diz que a ideia central da série era retratar os membros da Máfia que cresceram se espelhando nos filmes sobre a organização criminosa, sobretudo ''O Poderoso Chefão''. Há também as frases famosas, como ''vou fazer uma oferta que ele não pode recusar'', o lema de Don Vito Corleone (Marlon Brando) no primeiro filme e de seus sucessores nos outros dois. Não está nos DVDs, mas um chefe mafioso verdadeiro, Anthony Fiato, da família Patriarca, certa vez disse que alguns de seus colegas gângsteres passaram, depois de ver o filme, a falar mais corretamente e a ''filosofar'' com mais frequência para se parecerem com os Corleone.

Esse folclore, que faz a alegria dos roteiristas de séries de animação como ''Os Simpsons'' e ''South Park'', mostra a capacidade que a saga tem de provocar adesão quase irrestrita. Desde o primeiro momento, essa história de poder e sucessão foi comparada a Shakespeare, entre outras coisas pela maneira como parece relevante e urgente em qualquer época, em qualquer lugar.

A figura de monarca shakespeariano é Don Vito Corleone, interpretado por Marlon Brando com voz asmática e tufos de algodão preenchendo as bochechas. Entre seus familiares e seus pares, ele é um mito vivo e, como tal, aparece pouco. Passa a maior parte do filme entre a vida e a morte, depois de sofrer um atentado promovido pelas famílias mafiosas rivais. O verdadeiro personagem central da saga é seu filho Michael (Al Pacino), o mais novo e justamente aquele que tinha sido preparado para não ser mafioso. Quando a história começa ele é um jovem advogado e cidadão de bem, destinado a redimir o clã e colocar seus negócios na legalidade. O primeiro filme segue sua trajetória até se tornar o segundo Don Corleone.

Desde a cena inicial, um longo plano que se afasta enquanto um patriarca italiano pede apoio a Don Vito para a vingança de sua filha desonrada, o filme descreve o que é o poder da Máfia, com sua ética de barganha. Logo veremos até onde se estende essa rede, que chega ao Senado, aos cassinos e aos outros criminosos. Don Vito controla o jogo e se vê pressionado a entrar para o tráfico de drogas, o que é contra seus princípios. Mas princípios não são exatamente a questão central da sucessão familiar. A história não é sobre o poder de Don Vito, mas sobre o declínio de seu estilo de mandar e matar. Ao ser levado a assumir o lugar do pai, Michael encenará o drama da sobrevivência num mundo que se torna ainda mais selvagem.

Cerca de 15 anos (de 1946 para o final dos anos 1950) se passam até a ação do segundo filme. Vive-se num mundo mais moderno, em que o capitalismo é robusto e soberano. Michael ainda não cumpriu a promessa feita a sua mulher, Kay (Diane Keaton), de que legalizaria os negócios em cinco anos. A ação da Máfia ganha uma face global (na verdade, no primeiro filme a conexão Sicília-Nova York já tinha ficado clara) e Michael Corleone quase ''compra'' Cuba, impedido apenas por sua esperta percepção de que os guerrilheiros de Fidel Castro estavam prestes a derrubar a ditadura de Fulgencio Batista. Michael ganha poder, mas o preço é cada vez mais alto, e atinge a própria família no coração. Além de narrar a história de Michael, o filme retoma a de Don Vito (Robert De Niro) desde a infância na Sicília, quando escapa de ser morto pelo assassino de seu pai, até chegar a Nova York, casar-se e começar a se tornar poderoso. As duas histórias são mostradas de modo intercalado, criando um grande painel familiar.

A Parte III, realizada 18 anos depois da Parte II, foi vista por alguns como um epílogo desnecessário, mas o retrato da Máfia ficaria incompleto se não fosse mostrado seu avanço até o Vaticano. O filme adota a teoria de que o papa João Paulo I foi assassinado e que o crime estava vinculado ao escândalo do Banco Ambrosiano, ligado à Santa Sé. Desta vez, Michael finalmente está com os negócios legalizados e se dedica à benemerência. O tom de Coppola, bastante distinto dos dois primeiros filmes, agora é cínico: há pela primeira vez até um personagem marcadamente cômico, Don Altobello (Eli Wallach), chefe de uma família ''amiga'' dos Corleone.

Ao contrário dos outros dois, o terceiro filme foi mal recebido pela crítica, sobretudo pela presença da hoje cineasta Sofia Coppola, filha do diretor, no papel de Mary, filha de Michael. Sofia era, de fato, péssima atriz, mas sua presença não chega a comprometer o filme (e ela nem era o único problema; o próprio Pacino já tinha passado de grande ator a canastrão). Se nas duas primeiras partes o clímax mostrava uma série de crimes intercalados com rituais religiosos, desta vez eles se misturam à ópera. Michael encerra a saga com um grito e sem nenhuma paz.

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