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Ficha completa do filme

Drama

Jeanne Dielman (1975)

Resenha por Edilson Saçashima

Edilson Saçashima

Da redação 31/12/2010
Nota 4
Jeanne Dielman

Alguns analistas chegam a comparar ''Jeanne Dielman'' a ''Cidadão Kane'', de Orson Welles. Uma coincidência aproxima ainda mais as duas obras-primas: tanto Akelman quanto Orson Welles tinham apenas 25 anos quando realizaram seus respectivos trabalhos.

Em um primeiro momento, o trabalho de Akelman é marcado pela extrema simplicidade. Em pouco mais de três horas, a cineasta mostra dois dias e meio da vida de uma mulher madura, com um filho jovem, e sua rotina diária. Por rotina, entenda-se o ritual cotidiano de lavar a louça, cozinhar, se banhar, fazer compras, se alimentar, se vestir.

Em meio a essa rotina banal, a personagem-título, interpretada pela estrela de ''O Ano Passado em Marienbad'', Delphine Seyrig, recebe homens em sua casa. Trata-se de uma sugestão de prostituição que está presente desde o início da projeção. Esse fato, ao invés de marcar uma ruptura na rotina cotidiana, parece estar integrado a ela. No segundo dia, a rotina se repete com mínimas alterações, mas suficientes para construir o retrato de um universo sufocante que irá culminar em um final perturbador.

A impressão de uma rotina asfixiante valeu à ''Jeanne Dielman'' um espaço na discussão sobre a condição da mulher moderna e o status de filme feminista. O rigor estilístico, com a rotina diária filmada quase em tempo real e com a câmera imóvel sempre captando a cena a uma certa distância, fez o filme ser visto como um trabalho minimalista e estruturalista.

Mas essas classificações apenas mascaram a grandiosidade do trabalho de Akelman. A vida de Jeanne Dielman abre espaço para a discussão sobre a condição humana no mundo contemporâneo até o vazio existencial do homem, passando pela questão da ritualização do cotidiano.

A própria cineasta já demonstrou repúdio a qualquer tipo de classificação. ''Eu não acho que seja minimalista. É maximalista. É grande. E não sei porque ele poderia ser chamado de feminista. Ele poderia ter sido a respeito de um homem também'', disse.

Akelman criou ''Jeanne Dielman'' a partir de suas lembranças da infância em uma família judia em que o cotidiano era bastante ritualizado. Mas com poucos elementos, a cineasta conseguiu ir além e construir um painel sobre a existência humana.

Resenha por Sérgio Alpendre

Sérgio Alpendre

Da redação 31/12/2010
Nota 4
Jeanne Dielman

A diretora belga Chantal Akerman já havia feito dois longas de impacto, ''Hotel Monterey'' e ''Eu, Tu, Ele, Ela'', e alguns curtas-metragens até 1975, mas nada preparava o público para a estranheza causada por ''Jeanne Dielman''.

Com mais de 3 horas de duração, o filme impõe ao espectador o acompanhamento do cotidiano de uma dona de casa de mais ou menos 40 anos, viúva, que em alguns horários livres ganha um troquinho como prostituta em seu próprio apartamento. Essa dona de casa é interpretada por Delphine Seyrig, atriz carismática que já havia trabalhado com Resnais e Buñuel, o que pode facilitar um pouco as coisas.

Fato é que, mesmo para as plateias acostumadas à liberdade cinematográfica conquistada nos anos 1960, e à diminuição das fronteiras que separavam o cinema experimental do cinema dito comercial, "Jeanne Dielman" foi uma paulada de deixar qualquer cinéfilo desnorteado, e continua sendo um pouco isso, como pudemos comprovar em recente mostra realizada recentemente sobre a diretora. É um tour de force impressionante da atriz.

O título original do filme - ''Jeanne Dielman, 23 Quai de Commerce, 1080 Bruxelles'' - traduz a trivialidade de suas cenas e a frieza com que a câmera capta seus gestos. Ela faz comida, lava e guarda as roupas, desdobra o sofá-cama onde seu filho dorme, serve a comida para ele, cuida do bebê da vizinha, faz as compras, paga as contas, faz o possível para ter a casa em ordem.

Os planos são longos, quase sem diálogos, e a câmera fica sempre implacavelmente fixa. Não há closes, e os movimentos dos atores, principalmente do filho dela, são mecanizados. A trilha sonora é composta pelos ruídos que a mulher produz dentro de sua casa, ou os que ouvimos na rua, quando ela sai para fazer compras.

Com tanta radicalização, o espectador que não embarcar no ritmo do filme na primeira meia hora jamais embarcará. Perderá, assim, ou verá com a força reduzida, o acontecimento mais importante, que acontece no final. É quando o feminismo de Chantal Akerman se manifesta em sua plenitude, dando sentido (e reagindo) ao ritmo e às cenas vistas até então.

Muitos o consideram o melhor filme da diretora. Outros preferem o mais emotivo ''News From Home'', o impactante ''A Prisioneira'' ou até mesmo ''Eu, Tu, Ele, Ela'', em que o radicalismo é de outra ordem. Seja qual for a preferência, é inegável a força de "Jeanne Dielman", desde que visto no momento certo e com o espírito preparado para a "aventura".

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