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Ficha completa do filme

Documentário

Cidadão Boilesen (2009)

Resenha por Márcio Ferrari

Márcio Ferrari

Da redação 03/09/2010
Nota 4

Henning Boilesen era dinamarquês naturalizado brasileiro e administrou várias empresas em São Paulo, entre elas o grupo Ultragás. Foi morto num atentado cometido por guerrilheiros de esquerda em 1971 e hoje dá nome a uma rua da cidade.

O documentário dirigido por Chaim Litewski mostra logo de início que os moradores da rua não sabem quem foi Boilesen. Alguns repetem a informação disponível na placa, que o identifica apenas como administrador de empresa, quando seu papel mais decisivo na história foi ter organizado uma ''caixinha'' entre empresários brasileiros para formar e equipar a Operação Bandeirante (Oban), setor da polícia com função específica de combater a guerrilha urbana que se opunha à ditadura militar.

Todo mundo já ouviu que o Brasil é um país sem memória, mas nesse caso a questão se torna específica: Boilesen é desconhecido, mas apenas em parte. Se ainda se fala dele é porque foi o único sujeito que aceitou (e até gostava de) mostrar a cara entre os membros do setor empresarial colaboradores do regime: tanto que foi morto. Como observa Fernando Henrique Cardoso num comentário esclarecedor, ''dinheiro o governo tinha'', mas precisava da solidariedade formalizada do empresariado.

A primeira parte de ''Cidadão Boilesen'' se concentra principalmente nessa questão: a história canônica ainda não assimilou muito bem o fato de que o regime militar não era apenas militar. O espectador é informado simultaneamente sobre o personagem Boilesen e sobre seu tempo. Ficamos sabendo que ele era um tipo simpaticão, praticamente ''um brasileiro'', como muitos dos que o conheceram insistem em dizer. ''Gostava mesmo de mulatas'' e torcia apaixonadamente pelo Palmeiras.

Na segunda parte, revela-se que Boilesen não era apenas um ''idealista'', como o descreve o ex-governador de São Paulo e empresário Paulo Egydio Martins, mas apreciava sair do campo das ideias para presenciar e mesmo participar ativamente de sessões de tortura de presos políticos. Teria até inventado (ou importado) uma máquina de suplício conhecida como ''pianola''.

Na medida em que o personagem ganha ao mesmo tempo obscuridade e densidade, o filme vai inventariando o que estava em jogo na época. Além de luta pelo poder, ou pelo menos pela desestabilização estratégica, havia sangue, raiva e mesquinhez.

Um ex-guerrilheiro, Carlos Eugênio da Paz, assume diante das câmeras, ao que parece pela primeira vez, ser o assassino de Boilesen, porque disparou o tiro de misericórdia (embora, na época, os supostos autores do crime tenham sido dados como mortos). O documentário parece ressuscitar nos entrevistados envolvidos com os acontecimentos uma espécie de continuidade dos sentimentos da época. Chama a atenção a franqueza às vezes chocante de alguns dos depoimentos, como os de dois agentes da Oban e do chefe do DOI-Codi de São Paulo, coronel Carlos Alberto Brilhante Ulstra.

Apesar disso, ''Cidadão Boilesen'' conjuga também um estranho tom de entretenimento leve. Logo no início, a protofonia da ópera ''O Guarani'' passa de sua versão tradicional para um saltitante arranjo com órgão, bateria e saxofone, ao estilo Jovem Guarda (o que havia de ''moderno'' na época dos fatos). O filme todo é perpassado por música semelhante. Fora isso, ao contrário do que acontece com frequência em documentários brasileiros, ninguém chora diante da câmera, ninguém ultrapassa muito a questão imediata. Nas raras entrevistas publicadas na imprensa com o diretor, ele lamentou que arquivos continuem fechados e a tortura não tenha sido julgada nem punida, mas não há nenhum discurso sobre isso em ''Cidadão Boilesen''.

Não se trata de tentativa de imparcialidade. É claro que o filme toma partido, mas o faz, entre outras coisas, evidenciando o histrionismo tão característico da política brasileira, do qual os anos de chumbo não estavam livres.

O diretor, que nasceu em Nilópolis (RJ) e mora em Nova York, onde coordena o departamento de televisão da ONU, teve seu interesse despertado por Boilesen quando, pouco mais do que adolescente, viu a notícia de sua morte na TV. Começou naquela época o primoroso trabalho de pesquisa para o filme, que inclui depoimentos do filho de Boilensen e o rastreamento do que se sabe sobre ele na Dinamarca e entre os diplomatas americanos que serviam em São Paulo no início dos anos 70.

O DVD traz trechos extras das entrevistas e imagens de documentos históricos.

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