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Ficha completa do filme

Drama

Lavoura Arcaica (2001)

Rubens Ewald Filho

Rubens Ewald Filho

Especial para o UOL Cinema
Nota: 5
Lavoura Arcaica

Por duas vezes no filme "Lavoura Arcaica" se diz que "a paciência é a virtude das virtudes". Pois justamente a paciência é uma virtude que se tem de exercer ao assistir a este filme, algumas vezes premiado, como no Festival do Rio, na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, no Festival de Biarritz e de Montreal.

Certamente é dos mais belos, ousados, íntegros e difíceis filmes produzidos no Brasil e que está muito perto de uma obra-prima. Tivesse o diretor Luiz Fernando Carvalho um pouco mais de humildade, teria cortado uns 20 ou 30 minutos de gordura, não teria perdido nada importante e o filme se tornaria mais acessível e certamente teria uma carreira melhor.

A despeito disso, raramente se viu um filme (ou um diretor que tem um trabalho tão pessoal quanto Carvalho) a serviço de um texto literário, que ele segue de maneira tão respeitosa, quase de modo reverente. O livro homônimo é de Raduan Nassar, uma unanimidade na literatura nacional.

O caso de Carvalho é muito especial. Há 15 anos no Festival de Gramado, fiquei estarrecido com o curta "A Espera", co-dirigido por ele e com Diogo Villela, Marieta Severo e Malu Mader, que era uma autêntica obra-prima (desculpe-me por abusar da palavra). Logo depois foi absorvido pela TV, em que foi o diretor de trabalho mais pessoal na Rede Globo em novelas como "O Rei do Gado". Pessoal e lento são características que obviamente lhe causam problemas.

Mas ele finalmente realizou seu amor pelo cinema neste projeto complicado, cujas filmagens foram precedidas por um longo trabalho de preparação de atores que durou quase três meses, três anos antes da estréia do filme.

Carvalho passou esse tempo todo refinando o filme em que tudo é excepcional, da fotografia de Walter Carvalho à trilha musical inspirada em temas árabes. Na verdade, a equipe preparou o filme no Líbano e pesquisando in loco a cultura, já que a história mostra uma família de imigrantes libaneses muito restritos, que vivem numa pequena fazenda no interior, em tempos não muito definidos.

Difícil também definir ou descrever a lavoura, que é uma sensação audiovisual.

O elenco é excepcional. Selton Mello consegue se tornar o melhor ator brasileiro de sua geração, sem qualquer sombra de dúvida. Não só fisicamente (ele emagreceu cerca de 20 kg para o papel) quanto psicologicamente, Mello faz uma imersão num personagem sombrio e amargurado, epiléptico, a ovelha negra de uma família de imigrantes. É curiosa a opção de não usar sotaques e seguir o texto literário, nada coloquial, mas que dá um clima meio litúrgico, meio shakespeareano (e também um certo distanciamento).

Descrito como a história do filho pródigo às avessas, o filme é sobre um rapaz, que fugiu de casa e se refugiou num lugar (parece pensão), onde recebe a visita do irmão mais velho que deseja levá-lo para casa. A fita já começa com uma seqüência forte (mas não chocante) do personagem se masturbando. Curiosamente, o protagonista não é herói, na verdade é um obsessivo que se revolta através da sensualidade contra o controle e rigidez paterna (não espere conflito tipo "Os Clones" porque não é linear nem convencional).

Por meio de idas e voltas, levadas sempre pelo texto em off, são mostrados a fazenda, o cotidiano da família e a paixão que o filho nutre pela irmã (revelação de Simone Spoladore, que está radiante no filme), como é protegido pela mãe (discreta, mas irrepreensível Juliana Carneiro da Cunha). O pai, feito por Raul Cortez, se mantém num segundo plano até perto do final, quando há um grande diálogo entre ele e Mello, um notável embate que é o ponto alto do filme, sempre de forma literária.

Caio Blat faz o irmão mais novo com uma única, boa e forte cena. Por mais que se relute em embarcar no filme, até por sua própria narrativa lenta, ele é de tal forma arrebatador, de tal beleza e foge tanto das convenções banais que fica difícil encontrar até mesmo parâmetros para julgá-lo. Não sei bem com o que compará-lo, um exercício que os críticos gostam muito; o argentino Fernando Solanas chamou o filme de oratório e realmente tenha certa semelhança com o estilo mais barroco do diretor de "Tangos, Exílio de Gardel".

Portanto classifico "Lavoura Arcaica" como um exercício de sensibilidade, uma quase obra-prima de um notável cineasta em seu primeiro longa e com um elenco majestoso. Um filme único na história do cinema brasileiro.

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