Está certamente entre os melhores filmes brasileiros de 2006, se não for o melhor. É um acerto do diretor Cao Hamburger, que até agora era conhecido por seu trabalho na produção infantil ("Castelo Rá Tim Bum") e na elogiada minissérie da HBO Brasil "Os Filhos do Carnaval". Com produção de Fernando Meirelles, este é certamente o melhor "filme argentino" já feito no Brasil. Explicando: ele tem todas as qualidades que a gente admira no cinema argentino, embora seja muito brasileiro e também muito paulista. É humano, sensível, bom de ver e de sentir, como há muito tempo não se faz por aqui (ou será que nunca se fez tão bem?).
A história se passa em 1970, na sombria época do "pra frente Brasil", quando o menino Mauro, de 12 anos, é levado às pressas para a casa de seu avô no bairro paulistano do Bom Retiro, porque os pais oficialmente vão sair de férias. Não é preciso explicar muito -- fica evidente que eles estão fugindo da polícia da ditadura. O problema é que o menino não encontra o avô (pequena participação de Paulo Autran): por infeliz coincidência, ele morreu naquele dia. Acaba sendo socorrido pela comunidade judaica, que o ampara, em particular um vizinho mal humorado que o inicia nos mistérios da religião e na tradição que ele desconhece.
Basicamente é uma variante do tema do peixe fora d´água, ou seja, uma pessoa de fora que é obrigada a conhecer e entender os hábitos de uma comunidade desconhecida (embora judeu, o menino não foi criado na religião). Ajudado por duas crianças muito bem escolhidas -- o menino de olhos sensíveis e a garota de rosto vivo e inusitado --, o filme não insiste na política nem na comédia de costumes, e também não exagera na alegoria do país que comemora as vitórias na Copa do Mundo mas ignorao as torturas e as prisões. Tudo faz parte de um painel muito bem orquestrado, sem sentimentalismo ou excessos, recriado em grande parte num prédio antigo de Campinas, já que o velho Bom Retiro mudou muito, embora apareça em algumas cenas.
O fato é que o filme fala diretamente ao coração e à mente. Já que não encontrou todo o público que merecia, pode agora ser descoberto ou revisto em DVD.

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