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Ficha completa do filme

Drama

Orfeu (1949)

Resenha por Rubens Ewald Filho

Rubens Ewald Filho

Especial para o UOL Cinema 01/01/2003
Nota 4

O melhor filme de Cocteau, como sempre nesta "Coleção/Box Cocteau" (menos no "A Bela e a Fera"), a cópia é excelente. Tenha o cuidado de ver este filme antes de sua continuação, "Testamento de Orfeu", dez anos depois. O que vai chocar a princípio é como o namorado de Cocteau (que era homossexual assumido mas na época não se comentava abertamente essas coisas) Jean Marais (1913-98) é maneiroso e efeminado, por vezes parece um garoto malcriado. É preciso desculpar isso, assim como a teatralidade de Maria Casarès como a Morte (ela tem porém uma figura impressionante e por isso seria grande sucesso nos palcos).

Mas o filme é extremamente bem construído e contém efeitos especiais muito engenhosos utilizando temas recorrentes de Cocteau, como o espelho (por onde eles entram para o Reino dos Mortos, tem uma frase memorável e certa: "fique olhando sempre para o espelho que você verá a morte", ou seja, sua própria decadência que levará inevitavelmente à morte). Também a atualização para a época dos existencialistas em Paris é muito curiosa (a musa deles, Juliette Gréco, faz figuração apenas nas cenas iniciais e na invasão da casa).

A verdade é que fazer delírios poéticos é um gênero muito difícil e este Orfeu é dos mais estilizados e bem sucedidos (de forma que ficam marcantes os motoqueiros policiais que levam os mortos e outras imagens, como eles caminhando pelos infernos). Resiste a uma revisão e junto com os outros filmes reabilita a obra de Cocteau, até agora quase só julgada por seu "A Bela e a Fera".

Cocteau (1889-1963), foi poeta, dramaturgo e diretor francês. Feliz ou infelizmente as modas passam depressa. O gênio de ontem pode estar completamente esquecido hoje. Neste caso, era difícil se ter um juízo imparcial. Durante sua vida, Jean Cocteau foi considerado aquilo que chamam de "Renaissance Man", um homem que sabe tudo, entende de tudo, não erra nunca. Culto, fino, dita as normas do comportamento em sociedade.

Conhecido como artista plástico (escultor, pintor, desenhista), era também dramaturgo, poeta, romancista e também diretor de cinema. Suas fitas refletem seu universo estilístico, ficando num meio termo entre o baile de carnaval, o desfile de escola de samba, o kitsch requintado ou o simplesmente bizarro. Por outro lado, ocasionalmente há boas idéias, conceitos emprestados aos surrealistas, principalmente no seu "Orfeu" mais do que em "A Bela e a Fera". Aquilo que era considerado artístico em seu maior esplendor há 60 anos, hoje corre o risco de ser brega.

Não se pode porém negar a influência que Cocteau e sua obra tiveram tanto na França quanto no Cinema de Arte do resto do mundo. Nascido em 5 de julho em Maisons-Lafitte, também ator, escreveu histórias para balé de Erik Satie, Stravinsky e também novelas, aforismos, além dedesenhos e pinturas. Seus filmes, influenciados pelo surrealismo, expandiram os limites do cinema Poético (também é interessante que desde os anos 20 o artista foi viciado em ópio).

Muita gente vê em sua obra uma espécie de catálogo de suas obsessões, lembranças, crenças e fantasias. Por isso extremamente pessoais (embora pareçam ter influenciado Buñuel, André Delvaux, Georges Franju). Escreveu peças e muitos roteiros para outros cineastas ("A Princesa de Cléves", "A Coroa Negra", "Ruy Blas", 1947; La Comédie de Bonheur, 1940; "L'Éternel Retour", 1943; "Les Enfants Terribles", 1949, de Jean Pierre Melville - Cocteau teria dirigido um dia da filmagem quando o realizador ficou doente etc).

Só na década de 70 foi revelada sua ligação homossexual com o ator Jean Marais e o romancista Raymond Radiguet (autor de "Le Diable au Corps").

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