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Ficha completa do filme

Drama

A Doce Vida (1960)

Resenha por Rubens Ewald Filho

Rubens Ewald Filho

Especial para o UOL Cinema 01/01/2002
Nota 5

Premiado com a Palma de Ouro no Festival de Cannes, o filme foi fortemente criticado pela Igreja Católica (a cena inicial mostra uma estátua de Cristo viajando de helicóptero por Roma, noutro momento a estrela de cinema feita por Anita Ekberg usa um traje que parece roupa de padre, que havia sido inspirado em Ava Gardner).

Fellini tentou sem sucesso atores famosos para o elenco: Henry Fonda, para o papel de Steiner, Maurice Chevalier, para o papel feito por Ninchi e Silvana Mangano para o de Anouk Aimée. Foi o primeiro filme dele com Mastroianni, que se tornaria o seu ator preferido (ele lhe pediu o mínimo de expressão e Marcelo foi o único a falar italiano, porque cada um dos atores se expressava em sua própria língua).

A fita tornou mundialmente famosa a expressão "paparazzi", umag íria para designar os fotógrafos de revista de escândalos que atacam "como mosquitos". Grande parte da cena do milagre foi improvisada nos jardins do Tivoli. Fellini não gostava da cena final, porque achava o peixe malconstruído.

Mas o mundo mudou muito desde que Fellini fez "La Dolce Vita", e fica até difícil entender porque ela causou tanto escândalo na provinciana Roma (Woody Allen emulou o filme no seu "Celebridades"). Mas rodando inteiramente em estúdio, (até mesmo a Via Veneto, porque ela fica numa ladeira), ele preconizou a decadência e a falência das elites e o processo que desembocaria na contra-cultura e na crise revolucionária da Itália dos anos 70.

Na cena final, um homossexual previa: "Do jeito que a coisa vai, 1965 será uma depravação geral". Curiosamente, "La Dolce Vita" tornou-se simplesmente um filme de época, quase um "Satyricon" dos anos 50, é antigo não antiquado, é discreto (não chega a ter nenhum nu), mas é exatamente assim que se fazia na época (o quase strip-tease de Nadia Gray). Se faz um painel da sociedade romana no final dos anos 50.

São episódios aparentemente esparsos, unidos pela presença constante do jornalista Mastroianni, representando a figura autobiográfica de Fellini. São quase três horas em que se cruzam celebridades do cinema, falsos milagres, orgias de nobres, brigas com a namorada ciumenta, o pai distante e um indisfarçável tédio.

Começa acompanhando Anouk, uma milionária que para afastar a monotonia prefere fazer amor num quarto sórdido de uma prostituta. Depois acompanha por Roma a estrela de cinema, a sueca Anita Ekberg, irritada pelo alcoolismo do companheiro Lex Baker (num diálogo alguém diz maldosamente: "e pensar que ele já foi Tarzan", o que é fato).

Anita, que nunca foi grande estrela de primeira grandeza em Hollywood, tem seu momento máximo em sua carreira aqui subindo as escadarias de São Pedro, banhando-se na Fontana de Trevi à procura de um gatinho (a cena mais famosa). Nisso tudo, o ciúmes da amante (Furneaux) sempre tentando o suicídio, sempre fazendo as pazes, como se fosse uma doença incurável.

Ou então a cobertura de um falso milagre em que as duas crianças dizem ter falado com a Virgem Maria. Ou uma noite de farra com o pai que mal conhecee se sente mal antes de uma amiga (Magali) lhe fazer o favor de ficar com ele.

Mas a figura realmente central é seu amigo intelectual Steiner (Cuny), que alimenta o sonho há muito abandonado de se tornar escritor. Mas mesmo este termina tragicamente corroído por uma "fossa" existencial, típica de uma época em que se temia a aniquilação atômica. A conclusão mostra Marcello arruinado, vendendo-se como "assessor de imprensa" de um astro em decadência (Sernas, também em papel autobiográfico), participando de uma orgia e depois indo para o mar observar a captura de um "monstro marinho".

Ali retorna o velho "felliniano", a pureza encarnada por uma adolescente (Valeria Ciangottini). Ali, separados pelo barulho das águas, não consegue mais ouví-la .O símbolo é claro e evidente. A "doce" vida vai se tornar irremediavelmente amarga, conforme o tempo demonstrou. Para o público, acostumado a ver o Fellini posterior, estilizado e sem amarras, vai estranhar sua narrativa mais comedida e discreta, utilizando com cuidado o formato do Widescreen. Mas ele é sempre intenso e pessoal.

Ali estão a praia, a pureza, as mulheres gordas e o circo (reparem na bela pantomima do palhaço e das bolas). Ali está o excelente diretor de atores (ainda mais se considerando que todos dizem números em vez de um texto já escrito e as coisas são só concluídas na dublagem) e o retratista vivo e emocionante de uma época.

A cópia nacional dá impressão de ter as imagens aceleradas (menos frames por segundo), fazendo com que todo mundo ande mais rápido e provocando defeitos (como se a câmera balançasse) quando há movimentos de câmeras. Imagina-se que isso sucedeu para caber um filme tão extenso em menos espaço. Esta edição nacional, vendida em bancas, vem com 7 minutos a menos.

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