UOL Entretenimento Cinema
 

Ficha completa do filme

Comédia

O Diabo a Quatro (2004)

Resenha por Rubens Ewald Filho

Rubens Ewald Filho

Especial para o UOL Cinema 01/01/2005
Nota 5

Um dos mais famosos e apreciados filmes dos Irmãos Marx. Foi dirigido pelo competente Leo McCarey (que faria filmes famosos como "Tarde Demais para Esquecer"). Em todo o mundo eles são reverenciados como os maiores mestres do absurdo, os anarquistas, os surrealistas da comédia (sempre há problemas com a tradução, que esbarra em trocadilhos). Às vezes realmente é difícil traduzir.

Chico manda Harpo ring the bell (tocar a campainha) e ele tira um sino, que também é bell em inglês, e começa a tocá-lo. A mesma coisa com push the button (empurre o botão)... da campainha e não do casaco, como ele faz. Assim quem fala inglês tem mais facilidade em compreender os filmes deles. Do infame, confundindo irrelevante com elefante, Dallas com dólares, Texas com taxas, relatório (record) com disco, mas chegando por vezes ao genial (por exemplo, o nome do país fictício Freedonia, viria de Terra Livre, Liberdade, freedom em inglês).

Num filme deles tudo é possível e geralmente acontece. Não há mito que eles não desrespeitem ou confusão que eles não criem, sempre numa salutar e descompromissada anarquia. "Diabo a Quatro" talvez seja seu melhor, ao menos o filme mais político. Inspirado em show de teatro, como a maioria de seus primeiros filmes, foi a última aparição do quarto irmão, Zeppo, que geralmente fazia o galã (e aqui mal aparece como o secretário). Considerando-se, com toda razão, um péssimo ator, ele se aposentou e foi trabalhar como agente.

Restaram assim Groucho, com seu bigode pintado e seu andar curvado, Chico com seu inexplicável sotaque italiano e Harpo, o mudinho safado de peruca ruiva, que tira coisas incríveis dos bolsos. Na maior parte dos filmes deles, esteve sempre também a atriz Margaret Dumont, que aqui faz a mulher mais rica do mundo, apaixonada por Groucho. Ela suporta inflexivelmente seus insultos.

O filme é uma sátira também aos musicais, assim a cada entrada sua, toca-se um hino triunfal e no momento em que se declara guerra, todo o país entra num apropriadamente absurdo production number (um super-número musical com todo elenco cantando "O país vai à Guerra").

Groucho vai implicar com a enorme Dumont ("Por que não derrubam você e constroem um edifício em seu lugar?"), destruindo as instituições ("Se vocês acham este país ruim, esperem até eu acabar"), as reuniões do gabinete ("Este relatório até uma criança de quatro anos entenderia... tragam-me uma criança de quatro anos já") e a burocracia ("Preciso procurar um tesoureiro. Replicam: Mas foi nomeado um na semana passada! Resposta: É esse mesmo que estou procurando!").

Como o filme é de 1933, algumas tiradas se tornaram clássicas: "Meus ancestrais se levantariam do túmulo por causa disso! Já pensou no trabalho que teria para enterrá-los de novo?"; "Vocês estão lutando pela honra desta mulher, o que é mais do que ela jamais fez!"; "Socorro! Venham ajudar quatro homens e uma mulher. Mandem mais três mulheres!"; "Estou cansado de receber mensagens do Front. Por que não mandam algumas também do lado?".

Chico não é tão engraçado, quase sempre servindo de escada para Harpo fazer suas graças. Este tem seu grande momento na disputa com o homem da limonada, e no seu bolso incrível (de onde ele tira um maçarico para acender um charuto, uma ratoeira, uma tesoura com que destrói tudo que estiver ao seu alcance), nas tatuagens de seu corpo (que tem até casa com cachorro), na sátira à Revolução Americana (onde até o cavalo deixa a ferradura fora antes de ir para cama) e na própria guerra (Harpo usa o cartaz: Entre para o Exército e veja a Marinha).

Uma guerra onde se bate o ponto, atira-se em seus próprios homens (um segredo para ser guardado debaixo do chapéu) e que não pode ser adiada porque Groucho já alugou o terreno da batalha. Quem prestar atenção vai reparar que foi aqui que o comediante português Raul Solnado foi buscar inspirações para suas sátiras sobre a guerra, assim como Chacrinha copiou as buzinadas de Harpo.

Foi o último filme do grupo na Paramount, que depois foi para a Metro, onde faria ainda mais sucesso de bilheteira, sob a orientação do produtor Irving Thalberg. Este não chegou a ser um grande sucesso, talvez por ser por demais satírico. Mussolini o proibiu na Itália, considerando o papel de Rufus T. Firefly como um insulto pessoal a ele. Os Marxs, que eram judeus, adoraram essa reação.

Os Marxs são fonte inesgotável de inspiração cômica. Nesta comédia clássica estão, porém, em sua mais pura e impagável hilaridade. Chamou-se originalmente apenas "Diabo a Quatro", sem o artigo O utilizado agora. Faz parte do box "Irmãos Marx".

Compartilhe:

    Siga UOL Cinema

    Sites e Revistas

    Arquivo