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Ficha completa do filme

Drama

Cidade dos Homens (2007)

Resenha por Rubens Ewald Filho

Rubens Ewald Filho

Especial para o UOL Cinema 01/01/2003
Nota 4

Foi "Palace II", o curta-metragem que deu origem a tudo isso. Ele havia sido episódio de série "Brava Gente Brasileira", na Globo, e a origem de "Cidade de Deus". Aliás, isso fica visível. Já usando os mesmos dois meninos como protagonistas, ou seja, Douglas Silva e Darlan Cunha, Laranjinha e Acerola, e usando um episódio extraído do mesmo livro de Paulo Lins, que deu origem ao filme, igualmente feito por Kátia Lund e Fernando Meirelles. Conta basicamente uma anedota em que os dois garotos têm que encontrar um jeito de devolver dinheiro aos traficantes. Embora tenha sido mesmo premiado (acho que em Berlim, no paralelo Panorama, depois em Aspen e Brasília), o filme não está disponível ainda em DVD (suponho que sairá junto com a edição especial de "Cidade de Deus").

É divertido, mas nitidamente uma experiência, com a câmera excessivamente agitada, como se estivessem testando que planos, que lentes, de que maneira se poderia contar melhor uma história passada na favela. Ou seja, depois de ver o longa, o filme decepciona um pouco. Mas faz total sentido dentro do projeto total, que é uma coisa inédita no Brasil.

Ou seja, não apenas feito com o apoio total da Central Globo de Produções, mas também dando uma aula de como se produzir um longa de sucesso, com um curta teste, um longa de apelo internacional e depois tendo como filho uma mini-série de tevê em quatro episódios, que serviu apenas para testar também novos realizadores da equipe, inclusive o fotógrafo César Charlone, o autor Paulo Lins e a atriz Regina Casé (que se integrou depois à eles).

As pessoas continuam a me reclamar do preço alto demais dos produtos da Som Livre/ Globo Vídeo, que ultrapassam a média do mercado. Como bem diz Meirelles e o co-autor do roteiro Jorge Furtado, o tom é outro, é um desdobramento do filme "Cidade de Deus" (que era um drama com momentos de comédia), mas o avesso, uma comédia com toques de drama, e onde os traficantes e a comunidade aparecem apenas como pano de fundo. São quase novos episódios do "Palace II", novamente girando em torno dos moleques (já falei que eles são ótimos atores, pois é preciso dizer isso logo de cara, todo o elenco é excelente, tão bom quanto no filme, a condução deles todos, vindos de grupos amadores das favelas, "Nós do Cinema" e "Nós do Morro", é impecável.

E os dois meninos são excelentes, em particular Douglas, que tem algo de jovem Grande Otelo. Seria bom que as telenovelas criassem papéis para negros para que eles pudessem ter continuidade de trabalho, ficou provado de vez que é apenas preconceito dizer que o público não quer ver negros na tela. Estão aí os cantores de sucesso para provar isso).

Vamos por partes: 1) "A Coroa do Imperador", de Charlone (que foi meu aluno e, por mérito próprio, se tornou dos melhores fotógrafos do cinema brasileiro), tem um roteiro especialmente bem armado e inteligente, usand oum ponto de partida muito simples: os dois heróis precisam de um dinheiro para poder pagar uma excursão da escola até Petrópolis para ver a Coroa do Imperador. E têm problemas com isso. A grande sacada é fazer um paralelo com a aula da História e a vida na favela (não quero entrar em mais detalhes para não estragar). Me pareceu feito em película (com momentos ocasionais em vídeo) e foi uma forma perfeita de situar os personagens e as expectativas. Ou seja, Laranjinha e Acerola são humanos, fáceis de gostar, não há excesso de violência, um toque de romance e um humor particular, meio negro mas muito brasileiro.

2) "O Cunhado do Cara", de Kátia Lund e Paulo Lins, me pareceu o mais fraco da série (que é toda boa). A trama é menos original, mais dramática. Quando um dos garotos, Acerola, descobre que a irmã está namorando o dono do morro, fica preocupado com o risco que ela corre e a certeza de que aquilo não irá dar certo. E é isso, sem grandes surpresas. 3) "Correio", também de Kátia e Paulo Lins. Um bom argumento: Laranjinha e Acerola são escalados pelo tráfico para trabalharem como carteiros na favela (onde era difícil chegarem as cartas). Resolvem dar nomes às ruas e fazer até uma mapa do lugar, o que será ótimo para a polícia também. Eficiente.

4) "Uólace e João Victor", de Regina Casé e Fernando Meirelles. O melhor deles, talvez por ser mais amplo, mais humano, mais sensível e até narrado de forma mais tranqüila, sem malabarismos de câmera tão freqüentes. O enfoque agora passa para dois outros garotos, um da favela que se chama Uólace (ou seja Wallace), e outro da classe média baixa, que mora ali perto, com medo de bala perdida, junto com a mãe (a sempre ótima Graziela). Ouvimos os pensamentos em off dos dois, enquanto vivem a pré-adolescência cheia de inseguranças; um procurando comida, pedindo para estranhos, outro reencontrando o pai e perdendo o melhor amigo.

Ambos vítimas e com medo da violência da cidade. Em mundos opostos que se cruzam mas não se comunicam. Portanto, a conclusão não podia ser mais positiva. Não é um repeteco de "Cidade de Deus", é um prolongamento, como pretendiam, confirmando o profissionalismo e talento dos envolvidos. PS - um fato raro na telecinagem: há algumas imagens fora de quadro, como os projecionistas costumam errar nas salas de cinema.

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