"Ter um filme selecionado em Cannes é ver um sonho se realizando. Há dois anos, estive lá justamente para anunciar o projeto de 'À Deriva'. Quem é cinéfilo sabe o que essa notícia significa". Foi assim que o diretor Heitor Dhalia, mais conhecido por seu filme anterior ("O Cheiro do Ralo"), falou sobre a
seleção de seu mais novo filme, "À Deriva", na mostra "Um Certo Olhar" do Festival de Cannes.
Dhalia contou que até ontem havia a possibilidade de o filme integrar a mostra competitiva, mas acabou prevalecendo o que os organizadores sinalizaram: a mostra "Um Certo Olhar". "Essa seleção é a melhor de muitos anos, só tem grandes nomes", disse ele. "Foi um ano muito disputado, para se ter uma idéia até o "Tetro", do [Francis] Coppola, foi recusado."
Para entrar na seleção oficial, Dhalia conta que "À Deriva" obteve algumas ajudas importantes, entre as quais a do cineasta Walter Salles e da diretora do Festival do Rio, Ilda Santiago. "Os dois principais diretores de Cannes também gostaram muito do filme", disse ele. "Mas é sempre uma acomodação de forças que decide o desenho final."
Embora não tenha entrado na mostra competitiva, Dhalia se disse contente com o desfecho. E uma das razões pelas quais se sente realizado é o fato de não ter que disputar a atenção dos jornalistas com nomes como Pedro Almodóvar e Lars Von Trier, por exemplo. "Seria muito difícil nos destacarmos nesse contexto", disse ele. "No fim, acho até melhor."
Dhalia vai a Cannes também para anunciar mais projetos, um pacote que inclui novas associações e produções.
O FILME"À Deriva" conta a história de Filipa (Laura Neiva), uma adolescente de 14 anos em férias de verão com a família em uma praia, que faz o rito de passagem para a idade adulta em meio às descobertas do amor com a turma de amigos e a separação iminente dos pais, o escritor Mathias (Cassel) e a professora Clarice (Debora Bloch).
O parceiro e produtor Fernando Meirelles - sócio da O2 Filmes, uma das produtoras do filme -, enviou por e-mail uma declaração sobre a participação de "À Deriva" no maior festival de cinema do mundo. "Esse lindo filme é o primeiro projeto saído da parceria entre a O2 Filmes e a Focus Features, e até agora já deve ter feito derramar uns cinco litros de lágrimas pela sua sensibilidade, mesmo tendo sido mostrado para tão pouca gente. As mulheres, especialmente, não conseguem resistir. Tudo é sensível em 'À Deriva', mas a Debora Bloch está acachapante".
Dhalia constroi um retrato sensível e delicado da adolescência, ancorado por uma fotografia que dá um tom de memória e nostalgia, como se a história fosse contada por uma Filipa já mais velha, muitos anos depois, mas sem apelar ao recurso fácil do flashback. Cassel domina bem o português, mas é Debora Bloch quem rouba a cena, construindo com sutileza uma mulher fragilizada pela crise no casamento, capaz de um grande gesto de força ao final.