Mateo Sancho Cardiel.
Cannes (França), 16 mai (EFE).- Uma injeção de otimismo de qualidade com "Taking Woodstock", do taiuanês Ang Lee, e uma maçada brutal do melhor cinema francês, com o impactante "Un Prophète", de Jacques Audiard, foram duas vias mostradas na sessão em competição de hoje do Festival de Cannes.
Um filme sobre um festival de música triunfando em um festival de cinema parece um trava-línguas que só um mestre do gabarito de Ang Lee poderia recitar com fluência.
"Taking Woodstock", a história de Elliot Tiber, um dos impulsores do festival que completa 40 anos, é também mais uma demonstração da extraordinária capacidade do diretor de se introduzir em mitos de pátrias alheias.
Lee mergulha sem cinismo ou crítica, mas com honestidade entusiasmada, no festival que, entre 15 e 18 de agosto de 1969, ofereceu "três dias de paz e música" com Janis Joplin, Jimmy Hendrix e Bob Dylan, entre outros, revolucionou o pequeno povoado de White Lake, perto de Nova York.
"Eu vi Woodstock pela televisão em Taiwan. Era muito jovem na época, mas, com os anos, entendi como era importante que toda uma geração se rebelasse contra o estabelecido e buscasse uma nova maneira de se relacionar", disse.
O diretor de "Desejo e Perigo" (2007), pelo qual ganhou seu segundo Leão de Ouro em Veneza, não descuida do enredo geracional, mas se aproxima do universal com a história de Tiber, interpretado com delicadeza pelo comediante Demetri Martin.
Ele e seus pais - interpretados por Imelda Staunton e Henry Goodman - formam um belo chamariz que devolve ao espectador, com seu poder estético e musical, a firme crença que a vida pode ser maravilhosa.
"Quis dar uma ideia glorificada, romântica, do que considero o último reduto de inocência", disse Lee, em entrevista coletiva.
"Mas falar de Woodstock não é falar de hippies. Eles foram uma pequena e decadente parte de um fenômeno muito mais amplo", disse.
Ao diretor, que já disputou a Palma de Ouro por retratar a decepção pós-Woodstock em "Tempestade de Gelo" (1997), não faltam méritos para conseguir agora o prêmio, mas ele parte com a desvantagem de que sua obra é, pelo tom e ambições, o que costuma ser descrito como um filme "menor".
Surgiu o primeiro favoritoEste atenuante fica em evidência diante do primeiro filme francesa exibido em competição, "Un Prophète", no qual Jacques Audiard potencializa suas melhores qualidades narrativas e sua poética insólita dentro de uma prisão.
Grande parte da responsabilidade pelo resultado final é do ator estreante Tahar Rahim, que faz seu personagem, um árabe de 19 anos condenado a seis anos de prisão, evoluir através da épica doentia da obra.
O personagem de Rahim descobrirá encarcerado que esconde dentro de si um poderoso carisma capaz de brigar com um capo da máfia, interpretado com magnetismo por Niels Arestrup, assim como com o crescente "lobby" muçulmano da prisão.
Rahim dá vida ao personagem que entra na prisão como um criminoso comum e sai como um brilhante estrategista do crime organizado.
"O título 'um profeta' anuncia no filme um novo protótipo de criminoso. Não se trata de um psicopata, mas de alguém que tem algo de angelical", disse Audiard, na entrevista coletiva depois da ovacionada exibição do filme.
O diretor da também excelente "De Tanto Bater, Meu Coração Parou" (2005), desenvolve com uma técnica realista, só interrompida por pontuais momentos mágicos, esta delicada inversão de valores.
"Reconheço que, no roteiro, há certa ambiguidade sobre o sentimento de culpa", disse.
Por outro lado, Audiard descartou a crítica a respeito do sistema penitenciário francês.
"É um filme que se movimenta em vários gêneros e que dá atenção aos personagens. Pareceria mais com um western. Há algo nele de 'O Homem que Matou o Facínora' (1962)", disse.
"Definitivamente, é uma metáfora sobre a sociedade através da prisão, que não é o mesmo que dizer que vivemos em uma prisão", sentenciou o diretor.