Mateo Sancho Cardiel
Cannes - O cineasta dinamarquês Lars Von Trier causou polêmica hoje em Cannes com seu filme "Anticristo", um exercício de sadismo com o espectador que causou a indignação de grande parte do público e gerou as primeiras vaias do festival.
"Não tenho que me justificar. Eu faço filmes e isto é fruto da vontade de Deus. Além disso, sou o melhor diretor de cinema do mundo", disse, sem modéstia, na entrevista coletiva após a projeção. "Sim, você tem que se justificar. Isto aqui é Cannes", rebateu o jornalista que abriu a rodada de perguntas.
Von Trier, que já ganhou a Palma de Ouro por "Dançando no Escuro" (2000), parecia intrigado com a situação. "Não devo nada à audiência, mas a mim mesmo. Faço os filmes para mim. Vocês são só meus convidados", confessou sem pudor.
"Anticristo", protagonizado por Charlotte Gainsbourg e Willem Dafoe, conta a história de um casal que tenta superar a morte do filho que se jogou de uma janela enquanto os pais faziam sexo.
O diretor, que já fez outros filmes dramáticos e quase sempre com esplêndidos resultados - "Dogville" (2003) e "Ondas do Destino" (1996) -, oferece desta vez uma sessão de sadismo ao espectador sem recursos artísticos compensatórios, o que causou risos durante os momentos mais importantes do filme e vaias e insultos no fim da projeção.
Decapitações, pernas atravessadas por enormes brocas, muito sangue e violência sem limites são os ingredientes deste filme, estruturado em capítulos e com um tom explicitamente religioso.
"Anticristo" - filmado na Alemanha - faz referências a Strindberg e foi dedicado ao diretor russo Andrei Tarkovsky. "Sinto-me muito ligado a ele. Ele viu meu primeiro filme e não gostou nada. Bergman também me influenciou muito, embora ele não gostasse que o ligassem a mim", assumiu.
Apesar da arrogância e da ironia com a imprensa, Von Trier reconheceu que este filme foi um tipo de "tratamento" para superar a depressão que sofreu há dois anos e, por isso, foi a experiência profissional mais importante de sua carreira. "A rotina das filmagens me fez bem, mas ainda não encontrei harmonia em minha vida".
Foi um alívio, no entanto, ver Ken Loach mais amável que o habitual e, com "Looking for Eric", dar uma guinada para mostrar que, com o futebol como tema principal e com a interpretação de Eric Cantona como chamariz, seu cinema é antes de tudo seu, pessoal e intransferível.
"A intenção era basicamente fazer com que se desenhasse um sorriso na cara do espectador", reconheceu Loach. Quem tinha visto "Anticristo" antes agradeceu.
O filme apresenta a peculiar relação entre Eric - com destaque para a atuação de Steve Evets - e seu alter ego em forma de anjo do futebol, interpretado pelo ex-jogador do Manchester United, que o ajuda a recuperar o rumo de sua vida através de metáforas futebolísticas.
Aplaudido pelo público durante e no final da projeção, "Looking for Eric" foi escrito por Paul Laverty, colaborador habitual de Loach, e apresenta os melhores gols de Cantona, um prazer até para os menos fanáticos por futebol.
"Nunca pensei que ir a um jogo de futebol seria uma oportunidade de fazer um experimento antropológico. Mas a verdade é que o conceito de equipe é uma forma de comunidade. É a única circunstância no qual o nacionalismo é permitido e os sentimentos se expressam livremente", explicou Loach.
O diretor britânico voltou com "Looking for Eric" ao festival no qual ganhou com "O Vento que Agita a Cevada" (2006) e no qual apresentou filmes importantes de sua carreira como "Meu nome é Joe" (1998).
Com a participação de uma grande estrela - mesmo que não seja das telas de cinema -, pela primeira vez em sua carreira reconheceu que, se teve que fazer seu filme de maneira mais popular, ficou feliz com o resultado. "Eu me limitei a contar as coisas da maneira mais honesta que pude".
Ainda em tom menos combativo que de costume, sua habilidade para emocionar sem grandes rodeios, mas com muita delicadeza, continua sendo admirável. E "Looking for Eric", em consequência e apesar de sua discrição, foi cinematograficamente falando o mais importante do dia.