MANCHESTER, Reino Unido, 18 Mai 2009 (AFP) - Longe do Festival de Cannes, onde foi apresentado nesta segunda-feira "Looking for Eric", de Ken Loach, as bandeiras da França com o rosto de Eric Cantona continuam florescendo nos lugares frequentados pelos torcedores do Manchester United, onde ainda é o 'King' (Rei), doze anos depois de sua saída.
O filme, com o jogador francês mostrado como santo salvador da torcida, chegou a ser aplaudido triunfalmente, contra as vaias dadas ao "Anticristo" de Lars Von Trier.
"Antes, não era a mesma coisa. Depois, nunca mais foi a mesma coisa", lamenta Steve Rose, que vende a revista do "United We Stand", um fã-clube tradicional do Manchester United oposto aos proprietários americanos do clube.
Apesar das diversas vitórias nos cenários europeu e nacional registrados desde sua saída do clube, em 1997, e apesar da chegada de jogadores do calibre de Wayne Rooney, Cristiano Ronaldo ou Ruud Van Nistelrooy, os torcedores dos Red Devils nunca pararam de reverenciar seu ídolo.
Nas paredes do Trafford, um pub decrépito proibido para os torcedores adversários, como mostra o cartaz "No away fans please", o pôster de Cantona aparece ao lado das fotos dos maiores ídolos da história do clube, como George Best ou Bobby Charlton.
Nos tradicionais "fish and chips", o marselhês e seu olhar altivo parecem continuar a encarar com desprezo Londres e seus clubes, seus árbitros e sua federação, todos esses "soft southern bastards" (viadinhos do sul) ironizados pelos torcedores dos Red Devils.
Para Craig Ashton, vendedor de bandeiras e camisetas do United, 1966 foi um ano excepcional. Não por causa da única vitória da Inglaterra numa Copa do Mundo, mas porque foi o ano em que Cantona nasceu. "Vendo até hoje camisas com o nome dele", entrega.
Até hoje, é difícil explicar esta adoração por um homem que era considerado "incontrolável" quando chegou ao clube em 1992, depois de uma temporada no Leeds e de uma série de polêmicas na França.
Steve Rose se lembra de gols antológicos, como o marcado contra o Sunderland em 1996. Craig Ashton destaca o título do Campeonato Inglês de 1993, conquistado logo na primeira temporada completa do 'King'.
Mas para o vendedor, Cantona não se resume às façanhas dentro de campo. "Ele trouxe sua arrogância, visível no seu jeito de andar e de encarar as pessoas, no seu rosto impassível, na altivez de seu olhar...", enumera.
Este temperamento valeu a Cantona várias suspensões. Num episódio que ficou gravado nas memórias, o francês desferiu, em pleno jogo, uma voadora a um torcedor da equipe adversária que o xingara. Quando voltou de sua longa suspensão, em janeiro de 1995, todo o estádio de Old Trafford cantou o hino da França a plenos pulmões. Durante o jogo, com a gola da camisa para cima (outra marca registrada do 'King'), Cantona converteu um pênalti, levando os torcedores ao delírio.
Os fãs mais exaltados dos Red Devils consideram Cantona como o filho de Deus. Sua impulsividade, ilustrada pelo "Kung Fu Gate", como ficou conhecido o episódio da voadora, lhe rendeu inúmeras críticas, mas não no Manchester. "Aqui, passamos a gostar dele ainda mais", diz Steve Rose. E quando ele saiu, no apogeu de sua glória, com apenas 31 anos, foi para se aposentar, e não para defender outro clube, ressalta Craig Ashton.
Eis porque Old Trafford é a "segunda casa" de Cantona, como diz seu ex-treinador Alex Ferguson, até hoje no comando dos Red Devils.