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20/05/2009 - 15h03

Tarantino homenageia o cinema de ação italiano com releitura de "Assalto ao Trem Blindado"

OTÁVIO MOULIN
Colaboração para o UOL
Durante a 2ª Guerra Mundial, um bando de soldados americanos de descendência judaica conhecido como "Os Bastardos" promove o terror nos campos de batalha, aniquilando soldados nazistas com requintes de crueldade. São sujeitos com uma missão.

Depois prometer, por anos, seu grande épico de guerra, Quentin Tarantino finalmente conseguiu tirar a idéia do papel com a ajuda de um estúdio - a Universal - para financiar e distribuir, além de um astro sempre em evidência - Brad Pitt - para chamar a atenção. De longe, trabalhar em um grande filme de ação de estúdio pode parecer incompatível com a filmografia do cultuado cineasta, mas sob um olhar mais atento parece apenas um passo consciente em sua progressão.

Sonny Chiba, David Carradine, Bruce Lee. "Kill Bill", o primeiro desta nova fase de homenagens ou apropriações descaradas de Tarantino, criado como um mosaico de referências óbvias a clássicos intérpretes e obras do cinema de ação oriental dos últimos 40 anos. Dos honrados samurais aos incansáveis policiais de Hong Kong, passando pelos animês e outros elementos do universo pop dos anos 60 e 70.

"À Prova de Morte" partiu do mesmo princípio, ainda que de maneira mais ousada, explorando nichos mais obscuros do exploitation setentista - como road-movies e filmes de ação feministas - e com referências bem mais sutis, apontando o dedo diretamente para poucos. Virou uma espécie de piada interna do diretor e seus colaboradores mais próximos, que desnorteou boa parte do público e crítica que não compartilham do mesmo repertório.

Com "Bastardos Inglórios", surge uma espécie de meio termo para agradar a todos. Tarantino segue com seu plano de absorver todos os elementos cinematográficos que o conquistaram quando jovem. Desta vez, entram em evidência os filmes do jeitão de "Os Doze Condenados", icônico trabalho de Robert Aldrich com um elenco estelar, especialmente aquelas cópias baratas realizadas na Itália durante os anos 70 e 80. Mas com Pitt e um tema mais familiar, o cineasta pode fazer as pazes com o público médio e voltar às graças da crítica menos engajada.

Trem Blindado
A referência mais direta é a origem do título. Tarantino é fã de um filme chamado "Quel Maledetto Treno Blindato", rodado em 1978 pelo italiano Enzo G. Castellari, um dos grandes mestres do cinema de ação do país. O tal trem blindado do título original não pareceu interessante o suficiente para o mercado internacional na época, levando os distribuidores a chamá-lo de "Inglorious Bastards" no exterior, em uma referência a uma fala contida na trama. Tarantino viu o filme pela primeira vez com este título e, segundo o próprio, este se tornou seu termo pessoal para descrever filmes de guerra protagonizados por um bando de sujeitos envolvidos com algum tipo de missão suicida.

A sinopse do novo filme que teve sua première em Cannes hoje é totalmente diferente. De óbvio, somente o nome e o tema. Mas a influência de Castellari é sentida na mão de Tarantino há tempos, com seu cinema físico e criativo. Mestre em desenvolver cenas de ação que parecem mais elaboradas, caras e energéticas do que seriam sob comando de diretores menos talentosos.

Em "Assalto ao Trem Blindado" - nome brasileiro do "Inglorious Bastards" original - Castellari guiou a história de um grupo de militares americanos condenados que consegue escapar de uma emboscada nazista. Caçados tanto pelos aliados quanto pelos inimigos, os tais bastardos resolvem fugir para o território neutro da Suíça. A tarefa se complica depois que forjam uma parceria com um soldado alemão, são postos para correr por um grupo de oficiais nuas e são designados, meio que por engano, a se infiltrar um trem blindado que carrega planos para um novo foguete do Eixo.

O incomum desenrolar de acontecimentos, escrito por nada menos do que cinco roteiristas, serviu como trampolim não só para os improvisos de Castellari, calejado depois de pérolas como "O Vingador Anônimo" e "Keoma", mas principalmente como holofote para Bo Svenson e Fred Williamson, que se tornaram astros de ação na Europa - não à toa, ambos estrelaram algumas dezenas de filmes por lá, em sequência, e acabaram trabalhando com Tarantino em algum momento.

Williamson é, com certeza, o grande trunfo. Ex-jogador de futebol americano e ícone do cinema negro dos anos 70, o ator abusa das cenas arriscadas sem uso de dublê, além das caras e bocas para criar um tipo malandro, mas durão, que não aceita desaforos . A idéia de tê-lo disfarçado de oficial nazista não poderia ser mais divertida.
Svenson tem menos a fazer, servindo muitas vezes de escada para seu parceiro mais carismático, mas sua presença foi fundamental para desviar as atenções do público internacional, acostumado com o padrão Hollywood, dos vários nomes italianos nos créditos.

Manobras assim eram comuns. Mestre da ilusão, Castellari driblava os poucos recursos e os virava a seu favor, geralmente com truques de edição, ângulos inusitados e câmera lenta . Incapaz de filmar closes de múltiplos disparos de tiros por problemas técnicos, por exemplo, ele usava um disparo como início da sequência, depois emendado por vários contra-planos com todo tipo de destruição. Assim, uma única rajada de submetralhadora soa quase tão devastadora quanto um bombardeio aéreo. E é necessário, pois a quantidade de soldados inimigos parece inesgotável, ainda que composta por apenas um punhado de dublês que saem e voltam ao quadro repetidamente.

A vivacidade de tais cenas não só fixou a idéia na cabeça de Tarantino, como foi fundamental para o mercado na época. Assim como Svenson e Williamson, Castellari se envolveu em várias outras produções de ação e ficção, que preenchiam os circuitos de cinemas que os grandes estúdios não conseguiam alcançar. Os italianos, inclusive, foram os que começaram com a onda de criar imitações de grandes sucessos hollywoodianos - como "Alien", "Tubarão", "Mad Max" ou "Fuga de Nova York" - o que ajudou a expandir o mercado de home vídeo.

Na falta de representação oficial dos grandes estúdios em vários territórios do mundo no início do VHS, independentes compravam tais produções européias mais barato e supriam a demanda. Assim, quem não podia ter "Os Doze Condenados", se contentava com "Assalto ao Trem Blindado". E se divertia tanto quanto Tarantino, que agora tenta retribuir.

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