Cenas do filme ''Tournée'' (''On Tour''), de Mathieu Amalric, exibido no Festival de Cannes de 2010
Coube à própria França abrir a Competição de Cannes com o filme “Tournée”, do ator e diretor Mathieu Amalric. No Brasil, Amalric é conhecido como o vilão do último 007, “Quantum of Solace”. Os frequentadores do Festival do Rio e da Mostra de São Paulo podem lembrar dele dos filmes franceses - o sujeito lunático de “Reis e Rainha” ou o irmão ovelha negra da família em “Um Conto de Natal”.
Amalric é para a França o que Selton Mello ou Wagner Moura é para o Brasil – um ator charmoso (não exatamente belo) que une talento e erudição, um intérprete de muitos recursos e com muitas ideias na cabeça. Como Selton, ele também atua como diretor.
Em “Tournée”, seu quarto filme como cineasta, ele encarna Joachim, um ex-produtor francês de TV que largou tudo para dirigir uma companhia de strip-tease burlesco nos EUA. Sem saber muito bem o que procura, faz uma volta às origens e leva toda a companhia para uma turnê pela França. É um homem deslocado, que despreza o dinheiro, mas também sabe que não trabalha com a grande arte. Concentra seu afeto nas dançarinas americanas da companhia – vividas por profissionais de verdade, que atendem na vida real por nomes como Dirty Martini, Roky Roulette, Kitten on the Keys e Evie Lovelle. (Com esses nomes – e corpos exuberantes –, elas estão roubando os holofotes em Cannes.) No meio do caminho, Joachim se vê obrigado a cuidar sozinho dos filhos pequenos, de quem nem lembra direito a idade.
“Tournée” era muito aguardado porque Amalric não reza pela cartilha consagrada do cinema francês – dramas “burgueses”, diálogos elaborados, conflitos amorosos. Seu filme tem um frescor de diretor jovem – uma mistura de cores belíssima, diálogos estranhos que às vezes não começam nem terminam direito, cenas poderosas que podem não ter muito a ver com o resto da história. Ele faz uma clara homenagem a John Cassavettes (1929-1989), pai do cinema independente americano, ator e diretor como ele, especialmente a filmes seus como “A Morte de um Bookmaker Chinês” (cujo protagonista mantém um show decadente), “Noite de Estreia” (a ansiedade dos bastidores de um espetáculo) e “Amantes” (a relação entre pai ausente e filho pequeno).
O resultado é ousado e muito interessante, mas Amalric parece se interessar mais por seu personagem do que pelo filme. As dançarinas, mulheres que poderiam estar num filme de Fellini, não chegam a se completar como personagens. E os conflitos que poderiam explodir no filme passam meio ao longe. É uma opção do diretor, mas o colorido de cabaré de “Tournée” não chega a envolver o espectador como poderia.