BERLIM - O diretor brasileiro José Padilha, ganhador do Urso de Ouro de Berlim, há um ano, com sua ficção "Tropa de elite", estreou mundialmente nesta quarta-feira, na seção Panorama da Berlinale, seu documentário "Garapa", produto de sua convivência por um mês e meio com três famílias pobres do nordeste do Brasil.
"Quis fazer um filme para compreender o que significa a fome dia a dia, para tentar criar uma emoção no espectador. A fome é um problema muito complexo e, para tentar resolvê-lo, primeiro é preciso conhecê-lo de verdade, não por estatísticas, mas diretamente", disse Padilha, que filmou em Fortaleza e em Choró.
Filmado em preto e branco, "Garapa", nome da mistura de água e açúcar que as mães dão aos filhos quando não têm leite, nem outro alimento para lhes dar, mostra a luta cotidiana dessas famílias paupérrimas do Sertão pela sobrevivência.
"Garapa não é um filme local. O problema da fome não é apenas brasileiro. É um problema que África, Índia, China sofrem. Eu descobri que havia algo em comum em todas as famílias pobres: o recurso à água açucarada quando não há outra coisa para acalmar a fome. O açúcar dá calorias", afirmou.
"Leva um tempo para entender de verdade o que significa não ter nada para comer. Combater a fome é um problema político mundial. Enquanto se fazem cúpulas para salvar os bancos, não se ouve falar de reuniões mundiais para tentar resolver esse fenômeno gravíssimo que persiste ano após ano. E a produção e a venda de armas aumentam", completou.
Em seu trabalho, Padilha mostra que são as mulheres que tomam as iniciativas para solucionar os problemas do dia a dia, enquanto que, muitas vezes, os homens entram em desespero e se deixam vencer pelo alcoolismo.
O diretor explicou ainda que quando se fala do crescimento da economia de um país e, neste caso, do Brasil, "sempre há gente excluída, que não desfruta desse crescimento".
"A fome fica nas mesmas famílias, crucifica-as. Os filhos dos pobres terão problemas de nutrição que afetarão seu desenvolvimento mental e os impedirão de ter acesso a uma educação e a bons empregos", insistiu.
Em "Garapa", o programa "Fome Zero", do governo Lula, é mencionado várias vezes para combater o fenômeno. "Mas a única coisa que dão é dinheiro. Não se trata de fazer mais nada, nem educação, nem saúde, nem propiciar o controle demográfico", comentou.
Uma das mães filmadas em "Garapa", que disse ter 30 anos, já havia dado à luz 11 filhos.
Padilha afirmou que, há oito anos, no Brasil, havia 30 milhões de pessoas que passavam fome, mas, graças ao "Fome Zero", segundo ele, agora, essa estatística caiu para 11 milhões.
O cineasta destacou que, se outros diretores consideram que o cinema é entretenimento, para ele, o que interessa é "lançar advertências, criar uma consciência, uma empatia entre o problema exposto e o espectador, mediante um cinema direto, sem truques, sem música, em preto e branco".
De acordo com Padilha, a apresentação de "Garapa" em Berlim é sua estreia mundial e ele buscará mostrar o filme no mais alto nível no Brasil. Anunciou ainda que está escrevendo um roteiro para um filme de ficção sobre a corrupção na política brasileira.