Vencedor do Urso de Ouro no ano passado com "Tropa de Elite", José Padilha volta à Berlinale com o documentário "Garapa", parte da seção Panorama Dokumente do festival. Exibido pela primeira vez hoje, quarta (11), o filme causou forte impressão na platéia mista formada pelo público regular e jornalistas. É um retrato cru e avassalador dos efeitos da fome em famílias pobres do Nordeste do Brasil. E se encaixa perfeitamente no escopo politicamente engajado da 59ª. edição. Rodado em preto e branco, sem grandes recursos visuais e nenhuma trilha sonora, distancia-se muito de "Ônibus 174", filme que projetou a carreira do diretor no Brasil e no mundo.
Padilha apresentou a sessão e, depois da projeção, respondeu a algumas perguntas. Ele disse que teve a idéia de fazer o documentário a partir de conversas com um amigo que trabalha na organização não governamental IBase e coleta dados sobre a fome no Brasil. O cineasta decidiu, então, mostrar de maneira objetiva quais os efeitos desse círculo vicioso que atinge, segundo dados da ONU, 950 milhões de pessoas no mundo inteiro.
"Gosto do cinema porque [é um meio que] consegue colocar o espectador em outros universos apenas pela empatia criada com os personagens, sem filtros intelectuais", explicou ele, antes de o filme começar. "Em 'Guerra nas Estrelas', por exemplo, somos capazes de nos transportar para batalhas espaciais pela identificação com Luke Skywalker. Aqui, eu usei os recursos do cinema direto para fazer com que os espectadores experimentem os efeitos da fome em famílias que ficam dias sem comer."
"Garapa" acompanha a rotina de três famílias pobres do nordeste brasileiro que vivem diariamente o círculo vicioso da fome. Parte desse ciclo está no fato de que os pais usam o recurso da "garapa" - água com açúcar levemente quente - para enganar o estômago das crianças e dar a elas energia para passar o dia. "A questão aí é que isso não resolve o problema", explicou ele. "E essas crianças crescem mal nutridas, sem condições de aprender e de disputar espaço no mercado de trabalho."
Outra questão em que o filme toca é o programa Fome Zero. Apenas uma família entrevistada recebe o benefício do governo. Mesmo assim, Padilha, cuja voz ocasionalmente surge em off, questiona os entrevistados a respeito de como usam os R$ 50,00 recebidos mensalmente.
"É uma iniciativa do governo que evita o assistencialismo e as grandes ações - o que eu acho muito bom", explicou ele a um espectador que pediu mais detalhes sobre a iniciativa federal. "Antes disso, havia 30 milhões de pessoas abaixo da linha da miséria no país. Hoje, esse número caiu para 11 milhões. Não resolveu o problema, mas é um passo importante que foi dado nesse caminho."