Os atores Pierce Brosnan, Olivia Williams e Ewan Mcgregor participam da première de ''The Ghost Writer'', filme de Roman Polanski
Depois de um início morno, o 60o. Festival de Berlim parece ter embalado de vez. Na manhã desta sexta (12) foram apresentados os dois primeiros grandes concorrentes desta mostra competitiva: "Howl", de Rob Epstein e Jeffrey Friedman, e "The Ghost Writer", o esperado filme de Roman Polanski, que continua sob prisão domiciliar na Suíça.
Mesmo sem Polanski, a comitiva de "The Ghost Writer" veio para a Berlinale em peso. Além dos atores Olivia Williams, Pierce Brosnan e Ewan McGregor, estavam presentes o escritor inglês Robert Harris, o autor da trilha sonora Alexander Desplat e os produtores Rober Benmussa e Alain Sarde. Foi uma das coletivas de imprensa mais concorridas do festival desde a de Madonna, há cerca de dois anos, segundo se comentava na numerosa aglomeração em frente ao auditório do quartel-general do festival. Uma das justificativas foi justamente a ausência do diretor e a condição em que se encontra. Outra foi o fato de que o filme caiu nas graças dos jornalistas.
No filme, Ewan McGregor faz o papel do "ghost writer" de um ex-primeiro ministro britânico, interpretado por Pierce Brosnan, que vive em estado de semi-exílio em uma ilha afastada no estado do Maine, nos Estados Unidos. Acusado de querer participar da guerra ao terror dos americanos e de anular direitos civis dos cidadãos ingleses para prender e torturar suspeitos de terrorismo, ele tenta se defender enquanto escreve suas memórias. O personagem de McGregor assume a posição de um outro escritor, morto misteriosamente enquanto finalizava apurações sobre a vida do biografado.
A história de como Polanski fez esse projeto acontecer daria um filme por si só. Começa em 2007, quando o cineasta e Harris, conhecido por romances históricos que especulam sobre diferentes rumos de fatos já conhecidos, engavetam a adaptação de "Pompéia" em razão de uma possível greve de atores em Hollywood. Na sequência, o escritor apresenta um manuscrito de seu novo romance e sugere que ele abrace este novo projeto. "Para minha surpresa, ele ligou e disse: 'Vamos fazer este filme'", contou Harris na coletiva. "E ele estava entusiasmado, disse que tinha encontrado o novo 'Chinatown', que era o que ele realmente queria fazer. Roman é um homem de narrativa, ele gosta de contar histórias."
Kim Cattrall e Ewan McGregor em cena de ''The Ghost Writer", de Roman Polanski
James Franco da vida a Allen Ginsberg em ''Howl'', de Rob Epstein
O filme foi rodado em 2009, de fevereiro a maio, em dois locais: a ilha Sylt, no norte da Alemanha, e nos Estúdios Babelsberg, em Berlim. Em agosto, Polanski apresentou um primeiro corte do filme. Em setembro, foi preso em Zurique. Segundo Benmussa, parceiro do cineasta desde "Frantic"(1988), ele continuou trabalhando no filme. "Mandávamos relatórios de pós-produção e DVDs por meio do advogado suíço dele", contou o produtor. "Como ele sabe o que quer e trabalha com uma equipe muito afinada, não foi difícil chegar a esse resultado."
Para esclarecer possíveis coincidências entre a história de "The Ghost Writer" e o inquérito no qual depôs recentemente o primeiro-ministro britânico Tony Blair, Harris dissse que escreveu o romance muito antes de surgirem as evidências de que Blair teria decidido voluntariamente participar da guerra ao terror dos americanos. "Parece que tudo conspirou a nosso favor", disse ele. "É quase como se tivessemos previsto o que está acontecendo na Inglaterra."
Benmussa não foi o único a elogiar Polanski. Em maior ou menor grau, o elenco se encarregou dessa parte. Pierce Brosnan, por exemplo, falou sobre como o diretor lhe orientou. "Eu perguntei a ele se deveria me inspirar em Tony Blair", revelou o ator. "E ele me disse: 'Não, não precisa se inspirar em Tony Blair. Interprete o que você entende por um primeiro ministro britânico'. Na verdade, ele me deu liberdade e sou grato a ele." Ewan McGregor falou sobre a objetividade e o temperamendo seco de Polanski. "Ele não é de ficar pajeando muito as pessoas", contou. "Mas quando você vê que ele trata a todos, inclusive o contra-regra, da mesma maneira entende porque é do jeito que é."
Com James Franco no papel de Allen Ginsberg, "Howl" traduz em três linhas narrativas o poema do jovem autor que deu início ao movimento beat nos anos 50, nos Estados Unidos. Embora não tenha puxado aplausos dos jornalistas ao fim da sessão para a imprensa, o filme inspirou muitas perguntas na entrevista coletiva que se seguiu, com a presença apenas da dupla de diretores, os mesmos que assinaram o documentário "The Celulloid Closet" (1995), e da produtora Elizabeth Redleaf. Segundo Epstein, Franco e alguns atores não conseguiram chegar antes por conta da neve em Nova York, mas estariam em Berlim a tempo de pegar a sessão de gala à noite.
"Howl" se desenvolve como um depoimento de Ginsberg (Franco), como objeto de um julgamento sobre a natureza obscena do poema e como uma animação inspirada em uma graphic novel de Erick Drooker. Em todas elas, o poema é recitado e praticamente dissecado, lançando luz sobre o autor, o poema, seus personagens e esse período particularmente rico e libertador da literatura americana.
Embora todos os presentes conhecessem 'Howl" do currículo escolar, poucos deles haviam mergulhado no poema antes de entrarem nesse projeto. Foi Robert Rosenfeld que propôs à dupla fazer a adaptação do poema. "Claro que dissemos que sim, mas nos perguntamos como se faz um filme sobre um poema?", disse Epstein. "Enquanto mergulhavamos no poema, decidimos fazer algo completamente diferente d que havíamos feito antes. Não como documentaristas, porque fazíamos documentários narrativos, mas na forma. E acho que conseguimos."