Quando Arturo Ripstein era adolescente e resolveu tornar-se cineasta, nos anos 50, no México não existiam escolas de cinema. Para sua sorte, naquela época, ninguém menos do que o diretor espanhol Luis Buñuel estava exilado no país - e, além do mais, era amigo do pai do jovem Ripstein, Alfredo Ripstein Jr., um produtor de cinema.
"Eu tinha uns 8, 9 anos de idade e via Buñuel em nossa casa. Ele e meu pai tinham em comum a paixão pelas armas, gostavam de praticar tiro ao alvo", recorda o diretor mexicano, homenageado com uma mostra de três filmes dentro do Festival do Rio, em entrevista exclusiva. Os três títulos são "Vermelho Sangue" (melhor filme no Festival de Havana em 1996), "A Rainha da Noite" (94) e "O Castelo da Pureza" (72).
O diretor mexicano Arturo Ripstein, que começou como assistente de Buñuel, tem hoje 55 filmes em seu currículo |
A própria vocação de Ripstein foi definida por esse contato com o diretor espanhol. "Um dia, eu tinha 15 anos quando me levaram para ver 'Nazarín'. Foi um choque. Eu pensava que havia só uma forma de fazer filmes. Ali, descobri que havia um outro caminho".
Assim, o jovem Ripstein encheu-se de coragem e um dia foi à casa de Buñuel.Tocou a campainha e, quando o diretor abriu, disse-lhe simplesmente: "Vim fazer filmes com você". A primeira reação de Buñuel foi bater-lhe a porta na cara. Minutos depois, voltou, deixou-o entrar e mostrou-lhe, num projetor 16 mm, duas vezes seguidas, outro filme seu, "Um Cão Andaluz". Até hoje, ele recorda sua impressão: "É muito perturbador ver um filme como esse aos 15 anos".
Entretanto, foi assim que o mexicano tornou-se uma espécie de assistente de Buñuel na época em que realizava "O Ano Exterminador" (1962). Foi essa observação no set de filmagem, inclusive de outros diretores, que constituiu o único aprendizado cinematográfico de Ripstein, que hoje tem 55 filmes no currículo.
Mesmo sendo produtor, o pai do futuro cineasta a princípio não queria que ele seguisse a profissão. Finalmente convencido de que não havia outro jeito, acabou aceitando produzir aquele que seria o primeiro longa do filho, "Tiempo de Morir" (1965). Um filme cujo roteiro foi escrito por ninguém menos do que o colombiano Gabriel García Márquez.
"Na época, ele não era famoso, era apenas um senhor que trabalhava em publicidade, fazendo slogans do tipo: 'viva a camisa, abaixo as calças compridas'", recorda-se Ripstein, se divertindo. "Depois, García Márquez tornou-se o escritor mais famoso do mundo, enquanto eu continuei sendo um diretor de cinema no México, num país em que isto significa tanto quanto ser jogador de futebol na Venezuela. Lá, você faz o que pode, não o que quer", afirma.
Criando filmes com um toque de realismo fantástico, com histórias marcadas pela opressão da família e da moral constituída, Ripstein garante: "Não procuro o surrealismo, apenas não posso evitá-lo. Esta coisa delirante do México, você vê todos os dias. Aliás, neste país também (falando do Brasil)".
Para quem imagina um cineasta de 65 anos, que faz filmes muito bem elaborados do ponto de vista da direção de arte, tenha um discurso pronto a favor do filme 35 mm, Ripstein tem uma resposta na ponta da língua: "Aderi ao digital há oito anos. Isso é o futuro. O cinema fotográfico é um passo atrás".
Os três filmes de Ripstein serão exibidos nestes últimos dias do Festival do Rio."Vermelho Sangue" tem sua última sessão na quinta (9), às 14h15, no Estação Botafogo 3. "O Castelo da Pureza" tem sessão amanhã, quarta (8), às 12h15, no Estação Botafogo 3, e também na quinta (9), às 17h, no Centro Cultural da Caixa Econômica. E "A Rainha da Noite", biografia fictícia da cantora Lucha Reyes, tem três sessões: na terça (7), às 19h15, no Espaço de Cinema 1; na quarta (8), às 14h15, no Estação Barra Point 2; e na quinta (9), às 19h15, no Centro Cultural da Caixa Econômica.