Depois de dois anos iniciando sua programação com filmes duros e de temática social - caso de "Tropa de Elite", em 2007, e "Última Parada 174", em 2008 -, o Festival do Rio 2009 acena para os tempos da flor e do amor, dando sua partida nesta quinta com "Aconteceu em Woodstock", de Ang Lee.
Exibido em competição no último Festival de Cannes, a comédia de Lee ("Desejo e Perigo", "O Segredo de Brokeback Mountain") mergulha nos bastidores daquele que foi o mais emblemático festival de rock de todos os tempos, em 1969. E reproduz, num tom cálido e respeitoso, o clima de um evento que deslocou 1,5 milhão de pessoas à remota cidadezinha de White Lake e mudou o mundo para sempre.
Como sempre, a programação do festival é volumosa, anunciando mais de 300 títulos, provenientes de 60 países e distribuídos em 20 mostras, em 40 locais de exibição, inclusive em 10 praças públicas - uma novidade deste ano. As convidadas de maior quilate vem da França, que tem seu ano no Brasil: a veterana atriz Jeanne Moreau e a belga radicada na França e pioneira da Nouvelle Vague Agnès Varda, que exibirá na mostra Panorama Mundial seu novo trabalho "As Praias de Agnès", vencedor do prêmio César de melhor documentário. Outra presença esperada é do diretor argentino Juan José Campanella, diretor do sucesso "O Filho da Noiva".
Como nenhum festival vira as costas para o pop, este aqui encerra sua programação em grande estilo, no dia 7 de outubro, com a première brasileira de "Bastardos Inglórios", com direito à passagem de seu diretor, Quentin Tarantino, no Rio. O festival, porém, só encerra sua edição no dia 8 de outubro.
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''Os Famosos e os Duendes da Morte'', de Esmir Filho, faz parte da mostra Première
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''Os Inquilinos'', longa nacional de Sérgio Bianchi, está na mostra competitiva
Nova safra brasileira Uma das seções mais vistosas é sempre a Première Brasil, que exibe em primeira mão as novíssimas produções nacionais. Este ano, alguns dos títulos da competição são os aguardados "Cabeça a Prêmio", adaptação do romance homônimo de Marçal Aquino e estreia na direção do ator Marco Ricca ("Crime Delicado"); "Os Famosos e os Duendes da Morte", estreia em longas do premiado curta-metragista paulistano Esmir Filho ("Alguma Coisa Assim") e que foi exibido no Festival de Locarno; "Os Inquilinos", novo trabalho do habitualmente provocador Sergio Bianchi ("Quanto Vale ou é Por Quilo?"); e "Hotel Atlântico", adaptação do romance de João Gilberto Noll dirigido por Suzana Amaral, rompendo uma ausência do cinema de oito anos, desde "Uma Vida em Segredo".
A veterana Suzana, de 77 anos, terá, aliás, seu filme de estreia, "A Hora da Estrela", vencedor do prêmio de melhor atriz para Marcélia Cartaxo em Berlim, em 1986, exibido em cópia recentemente restaurada.
Panorama Mundial A seção Panorama Mundial concentra alguns dos filmes que prometem a maior disputa por ingressos do público. É o caso do vencedor da Palma de Ouro em Cannes, "A Fita Branca", em que o austríaco Michael Haneke ("Caché") constroi um inquietante retrato das raízes do nazismo, radiografando os relacionamentos dentro de uma aldeia alemã, movidos pela repressão sexual e a crueldade impune, no início do século 20.
Outra boa atração de Cannes 2009 é a delirante comédia "Les Herbes Folles", em que o mestre Alain Resnais ("Medos Privados em Lugares Públicos"), do alto de seus 87 anos, mostra que ainda não está disposto a se acomodar. Adaptando livro de Christian Gailly, ele desenvolve uma imprevisível história de amor, entre Marguerite (Sabine Azéma) e Georges (André Dussollier), a partir de uma carteira perdida.
Uma curiosidade desta seção será sem dúvida o documentário "Maradona por Kusturica", em que o premiado diretor bósnio Emir Kusturica ("A Vida é um Milagre") exercita sua paixão pelo futebolista argentino - que, como fica evidente pelo filme, é sua alma gêmea.
Latinos e gaysPreenchendo uma lacuna habitual do circuito comercial do País, a Première Latina reúne algumas boas produções do continente latino-americano. É o caso do documentário "A Próxima Estação", do veterano argentino Fernando Solanas, que reúne impressionante material sobre o desmantelamento da antes sólida rede ferroviária argentina. O filme recebeu o Prêmio Especial do Júri no último Festival de Gramado.
Também merecem uma olhada o climático "A Criada", do chileno Sebastián Silva, e o poético "O Presente de Pachamama", do japonês Toshifumi Matshushita, premiado no Festival Latino de São Paulo. Uma curiosidade está em "Boogie", animação argentina dirigida por Gustavo Cova.
Uma das mais tradicionais mostras do festival, Mundo Gay traz este ano o documentário "Os Tempos de Harvey Milk", de Rob Epstein.
O filme revela a figura do militante Harvey Milk (1930-1978), que recentemente foi objeto da ficção "Milk - A Voz da Igualdade", de Gus Van Sant, que deu o segundo Oscar de melhor ator para Sean Penn.
Outra atração aqui é o drama português "Morrer como um Homem", de João Pedro Rodrigues, um dos filmes mais comentados da seção Un Certain Regard, do Festival de Cannes 2009.
Programas ousadosEm diversas outras seções do festival, exige-se uma certa disposição para descobrir novas formas de ver e fazer o cinema. Algumas, com grandes chances de uma boa compensação. Um exemplo é o documentário "Além do Jogo", do holandês Jos de Putter, já exibido no Festival É Tudo Verdade 2009. Parte da seção Midnight Movies, o filme apresenta os surpreendentes bastidores dos disputados campeonatos mundiais de jogadores de videogame.
Também entre os Midnight Movies está um pouco conhecido trabalho do celebrado Martin Scorsese, "American Boy - O Retrato de Steven Prince". Realizado em 1978, o documentário traça um perfil de Steven Prince, que faz uma ponta em "Taxi Driver", de Scorsese, e aqui conta sua trajetória como ex-drogado e empresário do cantor Neil Diamond.
Na seção Expectativa 2009, estão o polêmico e semiautobiográfico "Eu Matei a Minha Mãe", do canadense Xavier Dolan, premiado na Quinzena dos Realizadores em Cannes 2009, e também a produção austríaca "A Pequenina", de Tizza Covi, prêmio Label Europa Cinemas no mesmo festival. Não podia faltar uma produção romena, um dos países cuja originalidade mais tem se destacado nos últimos tempos. Trata-se de "Piquenique", de Adrian Sitaru, sobre um grupo de pessoas numa situação-limite, premiado nos festivais de Tessalônica (Grécia) e Palm Springs (EUA).
Na mesma seção, figura um documentário brasileiro falado em inglês, "27 Cenas sobre Jorgen Leth", estreia na direção do jornalista e diretor do Festival É Tudo Verdade Amir Labaki. O tema é o cineasta dinamarquês Jorgen Leth, ídolo de Lars von Trier, e que realizou com este o criativo "As Cinco Obstruções" (2005).
*Neusa Barbosa escreve para o site Cineweb