Uma das atrações da mostra O Brasil do Outro do Festival do Rio, que reúne produções feitas por estrangeiros ou brasileiros que moram fora sobre o país, o documentário "O Areal" focaliza a comunidade quilombola Guajará, no interior do Pará.
Habitado por uma população que, apesar de não totalmente isolada do mundo urbano de Belém, caracterizava-se por uma visão mágica da realidade, o povoado foi seriamente abalado pela construção de uma ponte que tornou o acesso mais rápido à capital daquele estado e também trouxe riscos ao meio ambiente.
O diretor chileno Sebastián Sepúlveda, 37 anos, estreando em longas com o documentário, premiado nos festivais de Guadalajara e Documenta Madri, conta que foi atraído ao projeto por uma pesquisadora chilena, Ana Pizarro, que ganhara uma bolsa Guggenheim para fazer um estudo sobre o imaginário na Amazônia. Filho de esquerdistas chilenos que passara a infância na Venezuela, o cineasta ficou feliz de retornar ao mundo dos trópicos que, segundo ele, "tem um outro jeito de se relacionar com a vida".
A chegada a Guajará, localizada perto de um grande areal de 100 hectares, veio do contato com outra pesquisadora, Ana Azevedo, da Universidade Federal do Pará, que fizera um estudo sobre a terra quilombola que ajudou a comunidade a manter a posse de sua terra.
Chegando lá, o que o diretor encontrou foram pessoas que falavam de monstros, lobisomens e outras criaturas fantásticas com a maior normalidade, demonstrando conviver com elas da mesma maneira que com a natureza e os animais ao redor. "Eles se relacionam com eles de forma cotidiana. Falam com eles, disparam contra eles, é um relacionamento muito físico. Têm medo mas também brincam com a situação. É uma relação com a vida", descreve.
O cineasta afirma que sempre se preocupou em respeitar o mundo que procura retratar e cita até o escritor argentino Jorge Luis Borges: "Essa relação mítica com a vida é fundamental para eles, como é para qualquer grupo humano. O areal é um mundo borgiano, de visões mitológicas, fantásticas. A mitologia que eles têm é como a mitologia grega, não é muito diferente. Licantropia, pessoas que viram monstros. São histórias básicas da humanidade. Gosto de Borges por isso, ele vai buscar esses relatos sempre. De nossas angústias, nossos desejos, nossa base".
Todo esse mundo mítico está em risco depois da construção de uma ponte que aproximou a comunidade de Belém - uma obra que trouxe também uma ameaça ambiental, já que boa parte do areal foi consumido nela. "Há risco ambiental porque ali vai ficar um buraco de 100 hectares, com água empoçada, como se vê no filme. Vai ter malária, dengue, todas essas coisas que ali não existiam", afirma o cineasta.
A mitologia local também já foi impactada. "No filme, um homem diz que os fantasmas são como as cobras. Faz dez anos, tinha muitas cobras ali. Depois, com a claridade, os barulhos da construção, da modernidade, elas vão embora. O mesmo acontece com os fantasmas. Essa é também uma forma de eles olharem a modernidade. Os monstros para eles são como os animais, fazem parte do ecossistema. Então é um desequilíbrio que se cria com a ponte".
Mas, segundo o cineasta, há resistências. "Alguns deles contam que uma luz sai do areal e começa a cegar as pessoas que chegam nos caminhões. Eles dizem que a mãe do areal está chateada e faz isso. O areal virou uma entidade que englobou todas as outras. Eles representam a realidade de um modo muito poético, mas dão conta do que está acontecendo, tanto que o mito muda. Talvez acabe daqui a vinte anos, até porque o areal vai acabar. As duas coisas vão acabar juntas".
O AREAL (O Areal). De Sebastián Sepúlveda. Chile/Espanha, 2008. 54 min.Domingo (27/9). 17:00. Cinema Nosso.
Terça (29/9). 17:30. Estação Botafogo 3.
Terça (29/9). 21:30. Estação Botafogo 3.
Quarta (30/9). 20:00. Instituto Moreira Salles.
*Neusa Barbosa escreve para o site Cineweb