Um detalhe sobre os recentes filmes brasileiros com temas sociais, como "Cidade de Deus", de Fernando Meirelles, "Tropa de Elite", de José Padilha e "Última Parada: 174", de Bruno Barreto, incomodava a diretora Sandra Werneck. "Todos eles só falaram sobre o ponto de vista dos homens. E as meninas, que seguram a onda do tráfico e têm filhos, onde é que elas estão?", pergunta a diretora, em entrevista ao
UOL.
Motivada a falar desse outro lado, o feminino, a diretora encontrou o livro "As Meninas da Esquina", de Eliane Trindade, que serviu de base para seu novo filme, "Sonhos Roubados", cuja primeira sessão pública se realizou na noite de quarta (30), na mostra Première Brasil do Festival do Rio. O filme deve estrear em 2010, sem data definida. Antes, a diretora pretende tentar exibi-lo no Festival de Berlim, que se realiza em fevereiro de 2010.
"Meninas" (2006), documentário anterior da diretora, que tem no currículo "Cazuza - O Tempo Não Pára"(2004) e "Amores Possíveis" (2001), também serviu como base para a pesquisa deste novo trabalho. Uma das personagens de "Sonhos Roubados", dona Jandira (Zezeh Barbosa), uma devotada crente, foi inspirada em numa das mães entrevistadas para "Meninas".
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Curiosamente, Sandra confessa que "não acredita" na ideia de que exista um ponto de vista feminino nos filmes dirigidos por mulheres. Ainda assim, acha que, neste caso, foi o fato de ser mulher que levou Eliana Trindade a vender-lhe os direitos de seu livro, que a própria autora adaptou como roteirista. "Havia uma série de diretores, todos homens, querendo filmar o livro. Acho que ela sentiu que eu ia tratar o tema com mais delicadeza".
A diretora acentua que, pela procura desse tom mais sutil, "até o sexo é mostrado de forma mais cuidadosa". Um detalhe importante, já que a história trata justamente de meninas menores de 18 anos, morando em comunidades pobres do Rio, que eventualmente se prostituem ou trocam favores sexuais por necessidades financeiras, sejam de consumo ou sobrevivência. As três protagonistas são vividas pelas novatas Nanda Costa (da série de TV "Cobras & Lagartos"), Kika Farias e Amanda Diniz (da série de TV "Sítio do Picapau Amarelo", 2006), contracenando com veteranos como Marieta Severo e Daniel Dantas.
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O filme registra ainda a estreia do rapper MV Bill como ator, no papel do presidiário Ricardo, que paga por visitas íntimas de Jessica (Nanda Costa). A diretora conta que chamou o rapper para uma conversa, ainda na fase de pesquisa do roteiro, justamente por ele ser tão engajado nas questões sociais que a história aborda. Foi esse grau de consciência sobre o ambiente que acabou dando a Sandra a ideia de que ele pudesse atuar. Ele encarou a sugestão e inclusive submeteu-se a um teste.
Detalhes como o de que o personagem de MV Bill se apaixona e quer deixar o crime, entre outros, dão a medida de como a diretora não quis pesar demais a mão num universo que inclui a prostituição, o abuso sexual e a pobreza. "Todos estes temas têm um aspecto importante como discussão, mas isto é cinema. Você tem que saber dosar. Ninguém sai de casa para ver um filme 100% pesado", pondera.
Outra preocupação da diretora foi não induzir julgamentos do comportamento das garotas. "Isto me preocupou muito. Tentei mostrar que tudo aquilo acontece, mas a vida segue. Você não carimba a vida delas para sempre. Acho que há esperanças para cada uma".
SONHOS ROUBADOS, de Sandra Werneck. Brasil, 2009, 85 min.
Quinta (1), 13:00, Odeon Petrobras
Sexta (2), 15:40, Estação Vivo Gávea 3
Sexta (2), 22:10, Estação Vivo Gávea 3
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(Neusa Barbosa escreve para o site Cineweb)