SÃO PAULO - Baseado no livro homônimo do pesquisador e jornalista Roberto Saviano, o cineasta italiano Matteo Garrone imprime intensa energia na condução do drama "Gomorra", uma história que denuncia os crimes da Camorra, a máfia napolitana. O filme venceu o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes 2008 e entra em circuito nacional.
A história detalha o onipresente poder da Camorra no comando de negócios tão lucrativos quanto ilegais, em territórios onde a polícia e o Estado têm acesso apenas ocasional. Um universo que não fica longe dos morros e bairros controlados pelo tráfico de drogas no Brasil.
Mudam a geografia e a língua, mas há mesmo muitos pontos de contato entre as periferias brasileiras (e de outros lugares do mundo) com estes conjuntos habitacionais degradados vistos no filme.
Nesses lugares marcados pela miséria e o desemprego, a maior chance de ascensão social para a maioria dos adolescentes está no recrutamento a serviço de alguma família mafiosa.
Em "Gomorra", um destes jovens em risco social é Totó (Salvatore Abruzzese), com 13 anos e já completamente fascinado pelos mafiosos. E também a dupla Marco (Marco Macor) e Ciro (Ciro Petrone), que resolvem brincar de caubói com a Camorra, roubando cocaína de seus entregadores e vendendo por conta própria - um jogo de valentia em que, a longo prazo, eles não têm a menor chance de vitória.
Entre os adultos, há também o alfaiate Pasquale (Salvatore Cantalupo), responsável por um dos negócios ilegais mais lucrativos deste submundo, a pirataria de grifes famosas. Um dia, ele recebe o convite de um pequeno empresário de confecção chinês para treinar clandestinamente seus empregados no mesmo ramo. E deve decidir se vale a pena correr o risco de ser descoberto por seus patrões camorristas.
O ator mais famoso do elenco é Toni Servillo, protagonista de filmes como "Il Divo" (2008) e "As Consequências do Amor" (2004), exibidos na Mostra Internacional de São Paulo. Em "Gomorra", ele interpreta Franco, que funciona tanto como cobrador de "taxas" como distribuidor de dinheiro da máfia para as famílias dos camorristas presos.
De várias maneiras, "Gomorra" lembra o clima de "Cidade de Deus", de Fernando Meirelles, uma admiração já admitida pelo diretor Garrone em diversas entrevistas. A grande qualidade do filme italiano é denunciar um quadro de horror em plena Europa, na Itália novamente governada por Silvio Berlusconi, fornecendo inclusive números apavorantes sobre o crime organizado naquele país.
Um letreiro ao final do filme informa alguns dados colhidos por Roberto Saviano - que chegou a infiltrar-se na Camorra sendo, por isso, jurado de morte e vivendo, desde outubro de 2006, sob proteção policial. Segundo Saviano, o crime organizado italiano foi o responsável por 10.000 mortes num período de 30 anos, sendo que a Camorra atuou em 4.000 delas.
Ainda de acordo com seu levantamento, os lucros das atividades ilícitas da máfia são investidos em praticamente todos os setores econômicos, dentro e fora da Itália. Saviano garante inclusive que houve participação financeira da máfia napolitana na reconstrução das Torres Gêmeas, em Nova York.
(Por Neusa Barbosa, do Cineweb)
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