SÃO PAULO (Reuters) - Em 2002, Julie Powell era uma secretária frustrada atendendo telefonemas em seu cubículo. Cozinheira nas horas vagas, procurava algo que a empolgasse. Eis que um dia tem a ideia de fazer, ao longo de um ano, as 524 receitas de um famoso livro de culinária francesa de Julia Child, uma chef que desmistificou a cozinha daquele país em livro e programas de televisão.
Mas não bastava cozinhar, era preciso também registrar num blog a sua aventura na cozinha. Daí nasce "Julie & Julia", um blog, posteriormente publicado em formato de livro, e, agora, levado aos cinemas por Nora Ephron ("Sintonia de Amor").
O longa, que estreia no país na sexta-feira, traz Amy Adams e Meryl Streep nos papéis de Julie e Julia. As duas já dividiram os créditos em "Dúvida", no qual interpretavam uma freira e uma madre superiora, sendo ambas indicadas ao Oscar.
Aqui, as histórias das duas personagens são narradas em paralelo -- elas jamais se encontram. Para montar esse roteiro, Ephron também se valeu de um livro de memórias da chef, sobre sua vida na França. Assim, o filme torna-se bem mais abrangente do que apenas a aventura da jovem em sua cozinha minúscula em Nova York.
"Julie & Julia" é um filme, num primeiro momento, sobre culinária, mais do que gastronomia. É sobre a arte de cozinhar e como isso interfere na vida das pessoas. Por arte de cozinhar, obviamente, entenda-se algo além de simplesmente fazer o almoço ou o jantar.
Julia chega à França acompanhando o marido diplomata e não sabe o que fazer para matar o tempo, até matricular-se na famosa escola de culinária Le Cordon Bleu. Inicialmente, ela sofre discriminação, por sexismo e xenofobia, quando é instada a fazer parte das aulas para donas de casa.
Mas Julia, que não mede suas palavras, nem esforços, quer mais que isso. E vai parar numa aula onde, segundo a diretora da escola, os alunos são cozinheiros de navio. A personagem encontra o seu lugar não apenas no curso, mas no mundo.
Por meio da história de Julie, sabemos que Julia se tornou famosa, uma verdadeira guru da culinária. Seus programas de televisão são vistos até hoje -- alguns disponíveis na Internet.
Há outros paralelos muito mais interessantes -- especialmente no que diz respeito ao papel e às conquistas da mulher. Não que o filme levante alguma bandeira feminista, mas ao falar de duas mulheres e de duas épocas, não deixa de comentar as mudanças pelas quais passou, ou não, a sociedade, especialmente a norte-americana.
Será que a liberdade do século 21 realmente existe? Às vezes, Julia, na década de 1950, parece ser mais livre, sofrer menos cobranças. Os relacionamentos amorosos também pareciam ser mais apaixonados na época de Julia e seu marido, Paul (Stanley Tucci), do que agora, com Julie e Eric (Chris Messina, de "Vicky Christina Barcelona").
Estando a culinária ao centro de "Julie & Julia", alguns detalhes podem passar despercebidos. Um grande diferencial do longa é que se trata de um filme sobre mulheres -- mas elas nunca estão desesperadas atrás de um marido, como na maioria das produções hollywoodianas protagonizadas pelo sexo feminino. Pelo contrário, aqui, os maridos são apoios para Julia e Julie concretizarem seus objetivos e acharem o lugar no mundo.
Para que essas duas personagens se mostrem reais, e não meras imitações da vida, entram em cena Amy e Meryl. Esta, mais uma vez, se supera. Recordista de indicações ao Oscar (com 15) -- mais uma, no próximo ano, é bem provável -- , a atriz vai além de imitar Julia Child, cuja maneira de falar e cozinhar são muito famosas.
Por outro lado, se Amy não está à altura, é mais por culpa do roteiro do que propriamente de sua atuação. Assim, é muito mais interessante, Julia conquistando o mundo com suas panelas e frigideiras do que Julie libertando-se de sua insegurança.
Em todo caso, mesmo com pequenas falhas e uma duração um pouco além da conta, "Julie & Julia" conquista por causa de seu charme natural e da leveza com o que é conduzido. E é também o melhor filme da diretora.
(Por Alysson Oliveira, do Cineweb)
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