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01/11/2009 - 07h00

Diretores exploram as dores do amor e o fim das utopias em "Insolação"

ALYSSON OLIVEIRA
Especial para o UOL, do Cineweb
Aos desavisados, pode parecer que a literatura russa anda em alta no cinema brasileiro. Há alguns meses foi o documentarista Eduardo Coutinho quem usou a peça "As Três Irmãs", do dramaturgo Anton Tchekhov. Agora é a vez dos parceiros Daniela Thomas e Felipe Hirsch se aventurarem por esse universo com "Insolação", que teve sua estreia mundial na mostra Horizontes, no Festival de Veneza, em setembro passado, e cujo roteiro tem como base contos do próprio Tchekhov e de Ivan Turgeniev.
  • Cena do filme "Insolação", dos brasileiros Daniela Thomas e Felipe Hirsch

Este diálogo com a literatura russa e a presença desses escritores no cenário cultural não são gratuitos. "Os contos de amor dos russos são sempre muito secos, muito áridos, pouco alegóricos. São narrativas bastante rarefeitas, mas muito universais. Foi essa secura combinada com a poesia que tanto nos interessou", explica Daniela. Os norte-americanos Will Eno, um dramaturgo, e Sam Lipsyte, um escritor, foram os responsáveis pelos três primeiros tratamentos do roteiro, escritos em inglês. Depois, Daniela e Felipe adequaram o texto ao Brasil e fizeram mais sete versões. "O mais interessante foi que buscamos manter a atmosfera, as sensações que esses contos nos passam, não fazer uma adaptação literal", explica Hirsh, que é um conhecido diretor de teatro (assinando peças como "Viver Sem Tempos Mortos" e "Avenida Dropsie") e que agora estreia na direção em cinema.

Daniela conta que viu esse processo da transição do amigo Hirsch como algo natural - ela foi cenógrafa de diversas montagens do diretor. "O Felipe sempre trabalhou com a imagem em movimento dentro das peças dele. Agora, ele foi tomado pelo cinema, conseguiu também colocar essa energia criativa num filme". O diretor curitibano, por sua vez, compartilha suas sensações na nova empreitada: "Eu estava cercado de uma equipe bastante competente com que eu podia contar o tempo todo. Todo dia era como uma estreia. O primeiro dia foi muito bom, corrido, agitado. Quando acabou pensei, 'ufa, agora vou descansar', mas depois lembrei que foi apenas o primeiro. Faltavam outros tantos".

O processo para chegar a esse 'primeiro dia de filmagem' foi bastante longo. Hirsch e Daniela lapidaram "Insolação" por cinco anos, trabalhando em roteiro e pré-produção. "O cinema tem uma gestação maior do que o teatro. Eu costumo dizer que no cinema, você fica cinco anos flutuando até conseguir pousar. No teatro são cinco meses enterrados e depois você vai ver a luz", compara Hirsh.

"Se o filme existe é por causa do [empresário e produtor] Beto Amaral, que teve a ideia e foi atrás", afirma Daniela. "Insolação" não é um filme simples, por isso exige empenho e concentração de seu público. "É preciso dedicação de quem o assiste, não apenas de quem o fez", explica Hirsch, e Daniela concorda. "A primeira sessão na 33ª Mostra [na noite de quinta-feira passada] foi o sonho de qualquer diretor. Houve um debate depois e a platéia estava empenhada mesmo. Quero que o filme passe todo dia para essa platéia", brinca a diretora. E vai além: "O público da Mostra de São Paulo é um muito especial. São cinéfilos empenhados, pessoas que gostam de cinema de verdade, que não se intimidam com filmes mais complexos".

Brasília e o fim das utopias

"Insolação" conta diversas histórias de amor e desamor pelas ruas e corredores da cidade de Brasília. Paulo José é uma espécie de narrador, um personagem que, de certa forma, une todos os outros, que são interpretados por atores como Leonardo Medeiros ("Budapeste"), Simone Spoladore ("Primo Basílio"), Maria Luisa Mendonça ("Nossa vida não cabe num Opala") e a garota Daniela Piepszyk ("O ano em que meus pais saíram de férias").

A cidade de Brasília acabou se transformando em cenário durante a pré-produção do longa. "Eu já a conhecia, havia ido lá algumas vezes. Mas quando estávamos planejando o filme, eu vi umas fotos da cidade feitas por um francês e elas mostravam exatamente aquilo que eu e o Felipe queríamos", conta Daniela. O que a dupla de diretores queria era exatamente falar do amor e do fim das utopias. "Essa cidade é o que melhor representa isso, é a falha das utopias, no caso, as políticas", explica Hirsch.

Para Daniela, outra coisa que chamou a atenção na capital federal foi a arquitetura local. "Eu sou apaixonada por edifícios como objeto, talvez até por isso fui trabalhar como cenógrafa. As construções nos dizem muito sobre o que somos, nosso mundo. Por exemplo, o Muro de Berlim. Aquilo era a anti-hipocrisia, era a prova viva da diferença entre as pessoas, da impossibilidade de convivência. Derrubar aquela muralha foi meio que uma tentativa de sanitarizar a cidade, apagar uma parte da História", opina a diretora. Já Brasília,para ela, "é o retrato vivo de uma época em que se imaginava o novo homem. É uma utopia que falhou e teve de ser reinventada".

"Insolação" está previsto para estrear nos cinemas do Brasil no primeiro trimestre do próximo ano.
"Insolação"
ESPAÇO UNIBANCO POMPÉIA 2 - 01/11/2009 - 16:00 - Sessão: 1046 (Domingo)

Para mais informações, visite o Especial da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, onde se encontra a cobertura completa do evento com notícias, vídeos, fotos e serviços. Para a programação completa da Mostra, acesse o site oficial.

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