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05/11/2009 - 14h13

Para o crítico francês Jean-Michel Frodon, a força da Mostra está na "reinvenção"

Da Redação
Jurado da competição de novos diretores da 33ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, o crítico Jean Michel Frodon, ex-diretor da revista francesa "Cahiers du Cinema", despediu-se de sua estadia no Brasil com um artigo no seu blog, "Projection Publique".

  • Leticia Moreira/ Folha Imagem

    O jornalista e diretor francês de cinema, Jean-Michel Frodon, na sala de cinema do Shopping Frei Caneca

No texto, Frodon diz conhecer vários festivais ao redor do mundo, mas nenhum como a Mostra de São Paulo. Segundo ele, o evento "se caracteriza por uma criatividade singular nos modos de construir locais de encontro entre o público e as obras".

A seguir, a reprodução do texto de Frodon:

"Convidado como membro do júri da 33ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, eu não comentarei, evidentemente, a seleção, já que os prêmios ainda não foram decididos [e entregues]. Mas não há necessidade de esperar para destacar a importância e originalidade dessa manifestação marcada pela personalidade de seu fundador, Leon Cakoff, e também de sua co-diretora e esposa, Renata de Almeida.

"O festival nasceu sob a ditadura militar, e foi então um espaço de resistência democrática, e teve um impacto muito grande, apesar das dificuldades e da censura na qual ele cresceu.

"O Brasil mudou muito em 33 anos, a megalópole de São Paulo também, mas essa tensão fundadora continua. Hoje, centenas de filmes selecionados por Cakoff e Almeida são exibidas em nada menos de 20 pontos (e cerca de 35 telas), da Cinemateca aos multiplexes nos shoppings. E se os grandes cineastas do mundo continuam a fazer de São Paulo uma etapa em suas agendas é porque ela ainda guarda uma forma de resistência, mesmo se o contexto é totalmente diferente. A dupla influência das majors norte-americanas e do enorme conglomerado nacional de mídia da TV Globo são os poderes que se querem hegemônicos no imaginário deste imenso país, e é contra eles que se levantam empreendimentos como a Mostra paulista .

"Todo mundo vai entender que não queremos comparar uma ditadura militar e o poder das multinacionais da mídia. Mas isso não exclui a possibilidade de observar como, em situações diferentes, respostas variadas mas animadas do mesmo espírito são possíveis e necessárias. Sob a ditadura, Leon Cakoff reinventou o que não havia mais em nenhum lugar do país: um espaço democrático, manifestado pelo exercício do voto. Na verdade, é o único festival do mundo (ao meu conhecimento) que pratica este método, a equipe do festival escolhe os filmes que podem ser de interesse para o público brasileiro, das obras de grandes mestres inacessíveis de outra forma, grandes revelações de outros festivais, novos filmes nacionais e estrangeiros. Mas é o público que escolhe os dez títulos (entre segundos e primeiros filmes, cerca de quarenta deles) que compõem a seleção oficial sob a qual o júri oficial se debruça.

"Hoje, o processo atingiu claramente os seus limites. Estamos de fato vivendo em uma época totalmente diferente, onde, pelo contrário, o público é convidado a votar de forma permanente, por telefone ou internet, sobre tudo e qualquer coisa, a começar pelos jogos de televisão. Em uma época, também, na qual a oferta de marketing até agora tem modelado as escolhas dominantes, o papel dos festivais (e dos críticos) não é mais disponibilizar o que é raro, se não inatingível, mas a trabalhar para abrir mentes para outras formas, outros ritmos, outras histórias que o público saturado de mensagens promocionais certamente não digeririam sozinhos, mesmo que essas obras estejam disponíveis a apenas um clique de distância. O fenômeno do desenvolvimento dos procedimentos democráticos clássicos também são válidos para outros domínios...

Uma sala virtual
"Mas, dada a evolução das técnicas e práticas, os organizadores do festival não ficaram de braços cruzados. Eles inventaram este ano (mais uma vez, para o meu conhecimento, é a primeira do mundo) a possibilidade de reorientar o seu trabalho através da Internet, desta vez aproveitando melhor as novas tecnologias. Eles acrescentaram uma nova sala onde apresentaram o seu programa: uma sala virtual, online disponível no site do Festival. Reservado para aqueles que estão no Brasil, aberta apenas durante a Mostra (até 5 de novembro à noite, horário do Brasil) e limitada a 300 lugares, essa sala online permite assistir gratuitamente, em streaming, cerca de 30 títulos da seleção. Entre eles, o último ou Bellocchio ou Kitano, bem como jovens cineastas quase desconhecidos (eu particularmente recomendo o documentário japonês de Toshi Fujiwara "The Fence". Essa criação foi feita em colaboração com o site The Auteurs, que tem hoje o maior catálogo online de filmes de arte do mundo, em função dos direitos liberados para cada país.

"Ainda que seja apenas o começo: neste primeiro ano, muitos produtores tiveram medo de dar o seu consentimento para a Mostra de São Paulo, embora os riscos da pirataria sejam zero, e que este processo, limitando o acesso aos primeiros 300 candidatos a espectadores, não prejudique de modo algum a oferta comercial clássica. Ao contrário, é muito provável que lhe dê um impulso. A perspectiva é de que essa oferta aumente nos próximos anos e seja imitada por rivais ao redor do mundo. E a Mostra de São Paulo, que não para de diversificar suas atividades desde o nascimento - incluindo o trabalho com as universidades, em parceria com uma editora para publicar livros de referência sobre o cinema contemporâneo, ou produzir curtas-metragens de cineastas importantes convidados pelo evento que a Mostra tem, portanto, continuou o seu trabalho incansável, e mais necessário do que nunca, abrindo espaço para reuniões entre o público e os filmes."

Para mais informações, visite o Especial da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, onde se encontra a cobertura completa do evento com notícias, vídeos, fotos e serviços. Para a programação completa da Mostra, acesse o site oficial.

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