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Protagonista de filme sobre Amazônia é "macaco malandro", diz cineasta

Mariana Pasini

Do UOL, em São Paulo

03/08/2013 07h00

Ao ser convidado para escrever o roteiro do filme “Amazônia – Planeta Verde”, a missão de Luiz Bolognesi era trazer uma abordagem mais brasileira ao longa, que mistura elementos de ficção e documentário e será exibido no último dia do Festival de Cinema de Veneza deste ano. Sem falas, sem efeitos especiais e sem seres humanos, a coprodução franco-brasileira conta a história do macaco Kong, que cai de um avião em plena Amazônia e precisa aprender a sobreviver na floresta.

Os contos populares nacionais foram a primeira fonte de inspiração para o cineasta. “Pesquisei como o macaco aparece nas narrativas brasileiras, nas crônicas, e ele tem mesmo uma personalidade própria”, explica ele ao UOL. "Ele é um grande malandro: engana a onça, os seres humanos, os outros bichos; não tem força, mas astúcia. O macaco é o malandro da floresta."

Mas o primata que aparece na telona não sai apenas da imaginação do roteirista: foram necessários 10 meses de pesquisa, observações in loco, entrevistas com pesquisadores e biólogos, além de pessoas que vivem com macacos, diversos documentários e até uma viagem pela Amazônia com o diretor e os produtores. Apesar de não estar presente no momento das filmagens, Bolognesi tentou levar esse conhecimento às telas com seu roteiro.

“Estudamos o comportamento do macaco como se faz para documentário. Pesquisamos, por exemplo, qual é o repertório dele com instrumentos e procuramos ser bem realistas na abordagem. É tão baseado que o filme se confunde com um documentário clássico. E combinou completamente porque ele tem estratégias biológicas muito parecidas com o que a gente chama de malandragem.”

Houve ainda um cuidado para não antropomorfizar o comportamento do primata de um jeito exagerado. “Não é um filme da Disney, ele não fala, ele não é fofinho, não tem atitudes de um ser humano ideal”, explica Bolognesi.

Ajuda das filhas
Dono de um currículo invejável, que inclui os roteiros de “Chega de Saudade”, “Querô” e “Bicho de Sete Cabeças”, a direção de “Uma História de Amor e Fúria” e prêmios nos festivais de Brasília, Havana e Recife, Bolognesi poderia ter recorrido a conselhos de vários críticos de cinema e amigos cineastas para compor o roteiro de “Amazônia – Planeta Verde”. Porém, foi dentro de casa que ele achou a fonte mais importante de inspiração.

De todos os filmes nos quais o cineasta trabalhou, esse é o que suas duas filhas, Carolina, 10 anos, e Mariah, 8 anos, mais se envolveram. “Como é um filme para a família, o tempo todo eu contava o roteiro para elas e elas conversavam comigo de volta. Mudei coisas após conversas com as duas; sabia que algo era engraçado se elas riam”, comenta. A expectativa das meninas, ele conta, é maior até do que a criada com “Uma História de Amor e Fúria” ou “As Melhores Coisas do Mundo”, e o fato de o filme ser em 3D contribuiu para isso.

Reprodução/Gullane
Se eu escrevo que o macaco monta na onça, por exemplo, não dá [para filmar]. Eu não poderia construir uma cena que exigisse isso, criar situações não viáveis. Pedíamos locações muito malucas, imagens aéreas complexas, e quanto mas ia gente pirava, mais eles [os produtores] gostavam.

Luiz Bolognesi, roteirista de "Amazônia: Planeta Verde"

Limites claros e malandragem própria
O roteirista conta que não se sentiu reprimido em momento algum ao escrever sua história, mas que os limites sempre estiveram muito definidos por não haver efeitos especiais na produção. “Se eu escrevo que o macaco monta na onça, por exemplo, não dá [para filmar]. Eu não poderia construir uma cena que exigisse isso, criar situações não viáveis”, afirma. A opção era por gestos e cenas que poderiam figurar no comportamento do macaco, ainda que fosse preciso esperar várias horas para que o animal fizesse o que a equipe desejava.

Onde quase não houve limites foi na forma de retratar a grandiosidade da floresta. “Pedíamos locações muito malucas, imagens aéreas complexas, e quanto mas ia gente pirava, mais eles [os produtores] gostavam. Tinha que ter a riqueza da floresta”, brinca Bolognesi.

Durante a produção, chegou o momento em que o próprio Bolognesi teve que aprender algumas malandragens. Não poder usar falas gerou outro desafio à parte: lidar só com atitudes, não diálogos, para contar uma história. Por causa disso, Bolognesi logo percebeu que seu protagonista precisava de uma personalidade forte. “Você percebe que tem uma ‘sacação’ nas atitudes dele. [Foi] uma malandragem super difícil, nunca tinha feito filme assim, e eu adorei. Foi um super aprendizado; uma delícia construir uma maneira de ser pelo olhar, jeito que [Kong] se move. O Kong é muito figura.”

Sustentabilidade
Thierry Ragobert, um dos diretores franceses do longa, comentava com  Bolognesi em tom de brincadeira que a quarta dimensão do filme era a questão da sustentabilidade do planeta. “O filme não é sobre isso, mas é sobre isso também”, resume o brasileiro. “Na hora em que a gente fala de ‘planeta verde’, em última instância, a gente trabalha a perda de identidade da floresta. É um filme de entretenimento e aventura para crianças e famílias, mas tem uma percepção sobre o nosso planeta, a biodiversidade, o ecossistema.”

Bolognesi conta que ele e Thierry ficaram muito amigos e o brasileiro até chegou a brincar que o francês tinha uma personalidade muito parecida com um macaco. “Ele tem muito humor, levava as coisas com graça e leveza, é muito lúdico.”

A previsão de lançamento de "Amazônia - Planeta Verde" é para o começo de 2014.