Por Joseph Nasr
JERUSALÉM (Reuters) - "Valsa com Bashir" não pode ser assistido legalmente no Líbano, mas é possível comprar cópias do filme antiguerra israelense, indicado ao Oscar, no distrito de Hamra, em Beirute, onde o diretor Ari Folman viu sua vida mudar 26 anos atrás.
"É um dos maiores filmes que já vi na vida", disse Lokman Slim, ativista da organização libanesa UMAM, que visa preservar as memórias de guerra do país exibindo filmes relacionados a suas décadas de conflitos.
"Sinto ciúmes porque aqueles que devemos considerar nossos inimigos têm a coragem de tratar de fatos nos quais tomaram parte, enquanto nós, libaneses, mantemos um silêncio interminável em relação a nossa história", disse Lokman à Reuters, em Beirute.
"Valsa com Bashir" -- o título faz referência à aliança de Israel com o líder cristão libanês da época, Bashir Gemayel -- mistura documentário e animação para mostrar o trauma da invasão israelense de 26 anos atrás para expulsar guerrilheiros palestinos.
O filme termina com o massacre de centenas de palestinos pelos aliados libaneses de Israel nos campos de refugiados de Sabra e Shatila, em Beirute.
Num relato baseado nas recordações de antigos companheiros de farda, Folman mostra a guerra nas cores berrantes de um livro de quadrinhos -- até os momentos finais, quando se vêem cenas chocantes e reais de pilhas de corpos.
Cerca de 600 mulheres, crianças e idosos palestinos em Sabra e Shatila foram massacrados sob a luz de foguetes de iluminação disparados sobre Beirute pela unidade do exército israelense do qual Folman fazia parte, que recebera a ordem de ajudar a milícia falangista cristã a impor a ordem nos campos.
Folman era um recruta de 19 anos na época. Seu filme recebeu o Globo de Ouro de melhor filme em língua estrangeira de 2008 e foi indicado ao Oscar 2009 de melhor filme estrangeiro.
PROIBIDO NO LÍBANO
"Valsa com Bashir" é proibido no Líbano devido às leis que impedem o comércio com Israel. Mas o interesse pelo filme é enorme.
Cópias em DVD pirateadas estão sendo vendidas por 2 dólares cada no distrito de Hamra, que aparece no filme como local de batalhas violentas entre guerrilheiros palestinos e a unidade de Folman no Exército.
Nem todos os libaneses estão satisfeitos com a versão de Folman da história.
"O filme mostra só uma parte da verdade. É como se o diretor dissesse 'nós, israelenses, não cometemos esse crime - foram os falangistas'", disse Ziad Moussa, professor aposentado em Ramallah, na Cisjordânia, onde "Valsa" foi exibido num centro cultural franco-alemão.
Mesmo assim, Moussa disse que o filme é "um passo na direção certa" para sanar o passado sangrento entre israelenses e palestinos.
O massacre de Sabra e Shatila suscitou ultraje mundial, e uma comissão de inquérito formada em Israel responsabilizou indiretamente o então ministro da Defesa Ariel Sharon, forçando-o a renunciar a seu cargo.
A comissão concluiu que Sharon, que mais tarde se tornaria primeiro-ministro, ignorou os avisos de que os falangistas massacrariam os refugiados palestinos para vingar-se da morte de centenas de civis cristãos por guerrilheiros palestinos no sul do Líbano, seis anos antes.