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Ficha completa do filme

Romance

A Rosa Púrpura do Cairo (1984)

Rubens Ewald Filho

Rubens Ewald Filho

Especial para o UOL Cinema
Nota: 5
A Rosa Púrpura do Cairo

O filme que marcou uma segunda fase brilhante de Woody Allen, agora na produtora Orion, tendo sido indicado ao Oscar de Roteiro Original. Foi apenas o segundo filme dirigido por ele onde também não trabalhou como ator (o primeiro foi "Interiores"). O elenco de apoio, ou seja, os atores que estão representando no filme, inclui o astro dos anos 40, Van Johnson, e atores famosos na Broadway como Zoe Caldwell e John Wood.

No Brasil, o filme chegou a ser votado como o melhor do ano pela crítica. Woody Allen não quis dar entrevistas sobre o filme. Apenas algumas frases: "O encanto da imaginação em oposição à dor de viver é um tema recorrente em meu trabalho mas eu nunca tinha percebido isso antes. E foram alguns críticos e amigos que me chamaram a atenção. ´A Rosa´ é aparentemente a mais recente expressão dessa minha preocupação, como foram também "Sonhos de um Sedutor", "Zelig", "Memórias" e o livro "The Kugelmass Episode" Acho que desta vez tratei o tema de uma maneira mais divertida do que consegui fazer antes".

É um caso raro em que se consegue capturar e traduzir a magia do cinema e a capacidade que ele tem de ajudar a tornar a vida das pessoas mais leve, mais fácil de ser vivida. Anos antes essa mensagem talvez fosse considerada reacionária, na época foi vista apenas como poética e romântica. Hoje já é clássica. Mesmo assim, houve fitas que o imitaram como "O Último Grande Herói" com Schwarzernegger.

Realizado no auge de seu romance com Mia Farrow, este foi o quarto filme que Woody Allen escreveu para ela: um grande presente. Pensando bem, o renascimento de Mia como atriz, naquela fase de sua carreira, foi surpreendente. Mas ela já estava ótima em "Broadway Danny Rose", como a garota do gângster e confirma sua sensibilidade como a heroína Cecília, uma jovem esposa da época da Depressão, que trabalha como garçonete sustentando o marido desempregado (Danny Aiello). Sua vida é triste e infeliz. O marido bebe demais, a trai com outras mulheres e de vez em quando a espanca. Cecília só tem uma válvula de escape: ir ao cinema, uma vez por semana. Muda o programa do cinema Jewel, onde ela assiste a seus filmes preferidos. O que mais a impressionou foi uma produção (fictícia) da RKO chamado justamente "A Rosa Púrpura do Cairo", estrelada por Robert Talmadge e Rayburn Morgan (ambos nomes inventados por Allen).

Esta seria uma produção típica de sua época: um grupo de pessoas sofisticadas que se encontram numa viagem ao Cairo; um certo Tom Baxter (interpretado por Jeff Daniels, que foi revelado pouco antes fazendo o marido de Debra Winger em "Laços de Ternura"), procura a lendária Rosa Púrpura. De volta à Nova York, o personagem acaba se apaixonando por uma cantora Cecília e gosta tanto da fita que volta várias vezes ao cinema, de tal forma, que um certo dia para seu espanto, Tom Baxter olha para ela, não resiste e acaba falando: "Você veio ver o filme de novo, mas é a quarta ou quinta vez". Cecília pensa que está sonhando, os outros espectadores não entendem nada, muito menos os personagens que contracenam com ele. Mas Tom Baxter se apaixonou por Cecília, pula da tela e vem conversar com ela. Assim, Woody Allen realiza uma fantasia que todo mundo sempre teve: não seria bom se as coisas acontecessem como no cinema?E se a gente encontrasse como tal personagem, um Tom Baxter na vida real?

Mas a situação não para por aí. Todas as leis da lógica foram quebradas. O estúdio entra em pânico, os outros atores ficam em pânico sem saber o que fazer, sem o personagem não há como prosseguir com o filme. Mas Cecília e Tom Baxter fogem para viver seu sonho de amor. Só que na vida real, as coisas são complicadas. Tom usa uma roupa de explorador com um chapéu de safári, quando beija Cecília olha para os lados espantado, não vai haver "fade-out" como nas fitas da época? (escurecimento em escuro, o que acontecia quando alguém ia fazer amor no cinema antigo). Quando vai a um restaurante, paga com notas falsas (notas de cinema). Seu amor é puro, suas frases clichês, seu comportamento o de um herói de cinema.

A situação se complica ainda mais, porque o ator que interpreta Tom no filme, um certo Gil Sheperd (evidentemente feito por Daniels) pensa que sua carreira poderá ser destruída. Vai também para o cinema e acaba encontrando Cecília. Mas a moça é sua fã inveterada e ele também fica encantado com ela. Cria-se o dilema: ambos desejam Cecília, o Tom da ficção e o ator que o criou. Como resolver isso? Antes, no entanto, Cecília tem a oportunidade de realizar outro sonho. Tom a leva para dentro do filme (as cenas no mundo real são coloridas, as dentro da fita, em preto e branco). Como ela vai poder participar daquele universo mágico onde as pessoas são sempre bonitas e felizes?

O filme não necessita de justificativas ou explicações porque qualquer pessoa que entrou numa sala de cinema e ficou fascinada com o mundo da fantasia que viu na tela, qualquer um que desejou escapar de sua vidinha medíocre e "viajar" nas aventuras fantásticas do cinema, vai se identificar com Cecília. Ela realiza todas as nossas fantasias, só que à maneira de Woody Allen. É claro que é muito engraçado ver os atores do filmes se atrapalharem (eles chegam num restaurante e pedem uma mesa para sete, o maitre se espanta, porque na fita sempre foi mesa para seis). Ou então, rir do pânico do estúdio (em outras cidades que passam o filme, outros Tom Baxters ameaçam também sair dos filmes, numa delas, um dos Tom se esqueceu do texto). Ou da sátira que se faz aos atores egocêntricos (Daniels está ótimo em sua criação dupla, e pensar que depois ele iria fazer escada para Jim Carrey em "Debi & Lóide").

Woody Allen como sempre vai mais longe, discute a própria função do criador e da criatura. Tom Baxter é levado por Cecília à uma Igreja e apresentado a imagem de Deus. Só que para ele o criador Deus não é Cristo mas os roteiristas que o inventaram e assinaram o roteiro. Em outro momento-chave, Tom e Gil, personagem e ator discutem entre si, como é possível um personagem se revoltar e se opor contra a própria pessoa que o criou. Não vale a pena contar o final, revelar a solução. Só uma pista: Fred Astaire canta o tema musical da fita, "Cheek to Cheek". E realmente confirmar que depois de "A Rosa Púrpura do Cairo" não há mais o que discutir: Woody Allen é genial. Qualquer pessoa de bom gosto vai querer ter em casa, esta nova coleção e começar a revisão (ou descoberta) por esta fita. Na verdade, Allen não precisava ter feito - e continuar fazendo - tantos filmes. Junto com "Manhattan" esta é sua obra prima.

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