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Ficha completa do filme

Drama

Depois Daquele Beijo (1966)

Rubens Ewald Filho

Rubens Ewald Filho

Especial para o UOL Cinema
Nota: 5
Depois Daquele Beijo

O primeiro sucesso de bilheteria do italiano Antonioni, pela primeira vez filmando longe de sua pátria, Itália. Mas mantendo sua fama de difícil, de "poeta do tédio", da alienação, das cenas de longas caminhadas, da futilidade e do desespero. Em 1966, ele registrou o nascimento da cultura Pop, da "Swinging London" dos Beatles, da minissaia de Mary Quant, da maconha fácil, do psicodelismo, do sexo livre. Seu herói, fotógrafo de modas, é inspirado em David Bailey (ex-marido de Catherine Deneuve e o inventor das modelos Jean Shrimpton e Marisa Berenson).

Quando Antonioni não conseguiu Terence Stamp para o papel principal, aceitou alguém parecido com ele, dando uma chance de estrelato para David Hemmings (que depois também se tornaria diretor, e que faleceu em 2003). Em compensação, lançou a modelo Veruschka e a jovem Jane Birkin (que se tornaria famosa atriz e cantora na França) e consagrou Vanessa Redgrave (filha de Michael Redgrave, ela queria tanto trabalhar com o diretor que aceitou o roteiro sem lê-lo, e filmou enquanto também trabalhava ao mesmo tempo numa peça teatral). "Blow-Up" ganhou a Palma de Ouro em Cannes e foi indicado aos Oscars de Roteiro e Direção.

No filme seguinte, "Zabrieskie Point", ele novamente foi observar terra estrangeira, no caso os Estados Unidos, com resultados interessantes mas menos notáveis. "Blow-Up" (esqueça o ridículo título nacional) quer dizer "explosão" mas também "ampliação". É a explosão da "Swinging London" que surgia naquele momento, e a ampliação das fotografias que um entediado fotógrafo de modas tirou num parque. Quando começa a ampliar as fotos que tirou de um casal, ampliando também os detalhes, começa a suspeita de que tenha registrado um assassinato. E surge então um quebra-cabeça.

No fundo, o tema continua a ser a incomunicabilidade. Os personagens, como nos outros filmes do diretor, são condicionados pelo lugar da ação. A mola da história é o fotógrafo, aquele que olha a vida por uma objetiva. Eles são para Antonioni os pintores de nosso tempo. Por isso fez um filme visual, fala-se pouco, a música quase não interfere, num mundo frio e cerebral. O único sentimento que nos desperta é o estético. O argumento é quase uma investigação policial.

Depois de fotografar o casal, a mulher (Vanessa Redgrave, em seu momento mais próxima de Greta Garbo) vai atrás dele e tenta seduzi-lo em troca do filme. Intrigado, ele revela as chapas e através de uma seqüência admirável em que as fotos são progressivamente ampliadas, descobre ter havido um crime. Retornando ao parque encontra o corpo, um homem foi morto perturbando a placidez de seu mundo. Quando volta ao estúdio, as fotos e o filme sumiram. Provavelmente roubadas. Ele procura seus amigos tentando comunicar sua descoberta, mas ninguém o escuta.

Quando na madrugada seguinte, depois de uma farra, vai ao parque, o corpo também desaparecera. Um bando de mascarados "fellinianos" que no início do filme desfilava pela cidade deserta, joga uma partida de tênis imaginária, sem bolas, sem raquetes. Todos participam e o fotógrafo observa. Até que a bola imaginária vai fora da quadra e por mímica, os maquiados pedem que vá buscá- la. Ele arremessa a bola de volta à quadra, agarra sua máquina e caminha pelo verde do gramado. Mais do que nunca, ele é um assistente e observa a vida sem ter uma noção clara do sentido de sua participação. Emocionalmente, é uma criança que brinca com a hélice e as ninfetas, é incapaz de se vincular efetivamente a alguém.

Quando participa como na disputa pela guitarra, sua luta não tem sentido. Quando sabe da morte de alguém, que ele não viu mas, sim, sua câmera, sente-se perturbado, mas ninguém é capaz de ouvi-lo. Todos estão muito ocupados se drogando, fazendo sexo, para se preocuparem com um morto. Até que as provas e mesmo o corpo desaparecem. Pelo simples gesto, genialmente realizado, de devolver a bola imaginária, ele aceita as regras do jogo. Integra-se à alienação dos maquiados, a artificialidade de seu mundo. Essa progressiva volta à alienação é feita sem som, até o momento em que ele também passa a ver a bola (e ouvimos seu ruído), então tudo volta a ser como antes, ninguém o perturbará em sua redoma de cristal.

Toda a história da fita é narrada com simplicidade, mas com os olhos de um estrangeiro, fascinado com uma Londres para ele desconhecida. Descobrimos a possibilidade do crime ao mesmo tempo que os personagens. Nunca se traça a fronteira entre o real e o irreal. Não se sabe em que momento, nem como ocorreu o crime. Na verdade, não se sabe, nem mesmo com certeza se houve um crime. O cadáver parece um boneco e as ampliações são apenas manchas. Tudo aquilo poderia ser uma "fantasia edipiana", do fotógrafo imaginando a morte do homem mais velho que andava com a mulher que lhe interessava. A mulher que ele vê na rua seria Vanessa?

No mundo do herói, a aparência de realidade se confunde com a realidade. As explicações são muitas. Há os que dizem que quanto mais se olha para uma coisa, menos se sabe sobre ela. Ou que a vida é uma ilusão, enquanto a arte é substancial. Que a interação entre a vida e a arte é ambígua e inexplicável, e que no mundo de hoje, está cada vez mais difícil afirmar o que é real. Antonioni transcendeu o conto de Julio Cortazar ("Las Babas Del Diablo"), em que se inspirou.

Seu cuidado nos detalhes é inexcedível. É fato mesmo que mandou pintar de um verde mais forte a grama do jardim. Mudou a cor de edifícios que aparecem só de pano de fundo. Controlou meticulosamente os transeuntes (reparem nos hindus, nigerianos) e passou semanas escolhendo o barulho das árvores. Registrou para sempre uma época, um momento histórico de transformação, no que também é um fascinante exercício de "voyeurismo". Aliás, como todo grande filme.

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