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Ficha completa do filme

Documentário

Fahrenheit 11 de Setembro (2004)

Rubens Ewald Filho

Rubens Ewald Filho

Especial para o UOL Cinema
Nota: 4

Vamos ver os aspectos positivos da reeleição de George W. Bush nos EUA: 1) isso garante mais quatro anos de emprego para Michael Moore como principal opositor de Bush no cinema -aliás, Moore já começou a produzir novo filme sobre a admnistração "inimiga"- e 2) Bush não poderá ser reeleito.

Por outro lado, apesar de seu sucesso de bilheteria, "fahrenheit 11 de Setembro" não foi tão bem-sucedido a ponto de conseguir seu intento, que era impedir a reeleição de Bush. Mas desmoralizou o presidente dos EUA no exterior.

Nunca vi em 21 anos de Festival de Cannes tamanha comoção numa sala quanto na vitória de "Fahrenheit 11 de Setembro", de Michael Moore. A platéia aplaudiu entusiasmada, em estado de euforia e exaltação. Antes, na estréia, o filme foi aplaudido por 20 minutos. Além disso, Moore foi tão ovacionado por onde andou que ficou comovido e mesmo surpreso. Afinal é a primeira vez que Cannes dá a Palma de Ouro para um documentário desde 1956. E foi premiado por um júri formado majoritariamente por americanos (eram quatro e um francês).

O filme tem pouco trabalho em ridicularizar o Presidente Bush. O próprio presidente já faz o trabalho sujo por si próprio, a ponto que Moore brincou que deveria compartilhar um crédito de co-roteirista, já que Bush faz as melhores piadas ("eu sou o straightman, o Dean Martin, Bush faz o Jerry Lewis, o palhaço").

A seqüência em que Bush é informado do ataque às torres gêmeas e fica impassível é realmente inacreditável. E real. Um dado curioso: o contrato com a Miramax garante que ele ainda pode mexer no filme caso ache necessário atualizá-lo a cada edição.

O título "Fahrenheit 9/11" se refere ao filme de François Truffaut, "Fahrenheit 451", tirado do livro homônimo de Ray Bradbury, sobre um futuro em que a ditadura queima livros; 451 seria a temperatura em fahrenheit em que o papel entra em combustão.

Segundo Moore, ele já estava rodando o filme falando mal da família Bush e suas ligações perigosas, quando os próprios fatos foram o filme por outros caminhos, mostrando a guerra do Iraque e suas conseqüências. Ou seja, continua a ser um ataque a Bush, só que ainda mais fundamentado, quase uma síntese de todas as calamidades que Bush pai e filho cometeram.

Em "Fahrenheit", Moore utiliza menos o recurso tradicional de outros documentários, ou seja, aparece menos na câmera, interfere menos e fica mais na narração bem humorada, ilustrada com cenas de telejornais ou imagens conseguidas através de correspondentes free-lancers que lhe forneceram o material inédito.

Moore tem duas interferências marcantes, a primeira quando visita uma assistente social de sua cidade natal (Flint, Michigan), toda feliz e patriótica porque o filho está na guerra. Depois a reencontra em Washington, diante da Casa Branca, quando ela chora desesperada porque o filho morreu.

Outra interferência importante é quando ele se posta na frente do congresso americano e tenta convencer os congressistas a enviar os próprios filhos para a guerra, já que apenas um deputado tem filho no Iraque. Claro que ninguém faz isso, uns passam fugindo às pressas. Portanto o ataque não é só contra Bush, mas contra todo o sistema que o suporta, totalmente comprometido.

Tive a sensação de que Moore se precaveu, orientado por algum advogado para não ser processado, deixando muito claro é a favor da América, mas contra Bush, para não ser chamado de traidor. De fato, ele não foi processado nem nenhum dado do filme foi questionado.

Talvez para os mais bem informados, o filme não tenha tanta novidade, porque já se sabia que os Bush tinham ligações com os sauditas, com a família de Bin Laden, protegida descaradamente na época do 11 de Setembro. Também é evidente que seguindo os preceitos de "1984", de George Orwelll, o governo de Bush sobreviveu pelo medo que instigou no povo, que a cada momento acreditava que haveria outro atentado. E tanto manipulou a imprensa e a opinião pública que no fundo todos apoiaram a invasão do Iraque, mesmo sem motivos ou provas para isso, a não ser a óbvia vontade de ficar com o petróleo local.

Mas o que há de novo no filme? Segundo Moore, são os documentos que mostram a ligação de Bush com seu parceiro de malandragens no Exército e na atualidade, James Bath, as imagens que mostram o sofrimento dos iraquianos com a guerra (evitadas pelas TVs americanas) e principalmente depoimentos de soldados americanos desiludidos, com direito a hostilização aos árabes (não são as cenas famosas de tortura, são menos ferozes, ainda que demonstrem o espírito reinante. Uma vergonha!).

Uma das frases mais contundentes do filme é: "comportamento imoral gera mais comportamento imoral". Ou seja, as tropas não são as únicas culpadas, já que Bush nunca as apoiou de verdade (o filme revela cortes de verbas para veteranos), despreza os jovens e fez tudo baseado numa mentira só para ter lucro com a invasão e a morte de americanos.

Polêmico, divertido, francamente anti-Bush, "Fahrenheit 11 de Setembro" talvez seja, como cinema, inferior a "Tiros em Columbine". O filme custou US$ 6 milhões e rendeu mais de US$ 120 milhões.

Com este e outros documentários polêmicos, o cinema assumiu novamente sua função política esquecida desde os anos 70, enquanto a TV ficou burguesa e conservadora.

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