Salário do Medo (1953)

Rubens Ewald Filho

Especial para o UOL Cinema

Nota: 5

Bastidores: Vencedor da Palma de Ouro em Cannes (e também menção ao ator para Charles Vanel) e num caso único também levou o Urso de Ouro do Festival de Berlim. Foi refilmado como "Comboio da Morte" (Sorcerer, 1977)por William Friedkin, com Roy Scheider, o espanhol Francisco Rabal, o francês Bruno Cremer e até o brasileiro Zanoni Ferriti, com uma estranha trilha do Tangerine Dream. Mas foi um fracasso.

A brasileira Vera Clouzot - filha do escritor Genolino Amado - faz papel de latina na fita dirigida pelo marido Clouzot (1907-77). Disse o diretor do filme: "Desconfiei do exotismo, tão cômodo para mascarar a ausência de uma arquitetura sólida. Um roteiro sério, um elemento humano complexo, o acessório apavorante que é a nitroglicerina, permitiram-se fazer não uma narrativa picaresca mas épica, uma epopéia sobre a coragem e sua antítese".

Talvez o melhor filme de aventuras de todos os tempos. Certamente o melhor já feito por um cineasta europeu, Clouzot, que por uns tempos foi chamado de "O Hitchcock francês", mas era muito mais doentio e soturno que o britânico. Por isso mesmo mais realista, mais cruel, mais humano, menos manipulador. Ele questiona o próprio sentido da aventura humana. Será que por dinheiro as pessoas são capazes de fazer qualquer coisa, mesmo arriscando a vida numa morte quase certa? Quando se observa a moda atual de esportes dito radicais em nome de uma suposta adrenalina, se entende melhor, a história dos quatro motoristas de caminhão de nacionalidades e identidades diferentes, sufocados pelo calor intenso e a miséria evidente, que realmente por precisarem de dinheiro, aceitam a missão quase suicida.

A trama nem custa muito a começar (e só nessa parte Vera tem uma participação um pouco mais intensa) para já se colocarem em marcha as duas duplas. Cada buraco, cada pedra, cada desvio no caminho da estrada de terra pode significar a morte instantânea. E logicamente não vai se ficar por menos, vão surgir pântanos, obstáculos, rebeldes (a ação se passaria na Guatemala) enquanto vai se revelando a personalidade de cada um, um determinado (Yves Montand, na primeira oportunidade que teve de demonstrar que era ótimo ator além de formidável cantor), outro covarde (o já veterano Charles Vanel).

Dizem que Clouzot era maníaco perfeccionista e pode se imaginar o trabalho que deu para rodar as cenas de ação do filme (que teria necessitado de dois anos para ser rodado). Quando falo "ação", quero dizer a passagem perigosa por um terreno ou uma ponte traiçoeira. Uma fita dura, de um suspense quase insuportável, de poucos momentos de ternura e ainda por cima, com um final irônico. Esta seria a Director´s Cut, ou seja a versão completa e restaurada do filme clássico (embora a versão original tenha 156 minutos, 8 a mais do que aqui). Falta o artigo "O" no título nacional.