Soberba (1942)

Rubens Ewald Filho

Especial para o UOL Cinema

Nota: 4

Welles pretendia que o seu segundo longa fosse um digno sucessor de "Cidadão Kane" e dedicou-se a ele com a mesma energia. Adaptação do romance de Booth Tarkington, é um painel das mudanças da sociedade americana na virada do século, do poder passando das mãos das famílias tradicionais para os empreendedores e industriais sintonizados com o século 20.

O filme, produção da RKO, já estava em fase de montagem quando Welles foi convocado pelo governo americano para, como parte da política de boa vizinhança com a América Latina, vir ao Brasil filmar cenas para um documentário (que seria o inacabado "It's All True"). Ele imediatamente interessou-se pelo projeto e, na crença de que o filme em execução na RKO estava quase pronto e que o pouco que faltava fazer ele poderia comandar do exterior, partiu para o Brasil.

O estúdio, já insatisfeito com Welles pela sua independência e pelo fato de Soberba ter custado bem mais do que o esperado, aproveitou sua ausência para fazer uma exibição-teste do filme, com a montagem supervisionada por Welles e feita pelo mais tarde diretor Robert Wise, com 132 min. Esta única exibição dessa versão foi um desastre e o estúdio entrou em pânico, ordenando que Wise fizesse uma nova montagem, refilmando cenas e acrescentando um final feliz, tudo a revelia de Welles.

Essa cópia de 88 min. é a versão que existe hoje, visto que todo o resto foi destruído (queimado), só sobrevivendo através de fotos de cena. O filme ainda foi mal-distribuído, sendo lançado em programas duplos, e naturalmente foi um grande fracasso. Welles, ainda que parcialmente culpado pelo acontecido, ficou marcado pelo resto de sua vida como um irresponsável que não era capaz de levar um projeto até o fim, um diretor arriscado para se trabalhar, e só podemos especular como teria sido sua carreira se esse episódio tivesse terminado de outra forma.

Mas o fato é que visto hoje, mesmo mutilado e sem as nuances da história que as cenas subtraídas trariam, o filme ainda é um triunfo e um tributo ao gênio do diretor. Os enquadramentos deslumbrantes, os movimentos de câmera criativos, o virtuosismo visual, a dissecação dos personagens, tudo está lá, pontuado pela narração irônica do próprio Welles e pela excelente trilha musical de Bernard Herrmann.

Foi até indicado ao Oscar de Melhor Filme (foi também indicado aos Oscars de Atriz Coadjuvante Agnes Moorehead, Fotografia, Direção de Arte), mas já era tarde demais para a carreira de Welles, que daí em diante foi uma sucessão de altos e baixos, participações como ator para financiar projetos que nem sempre conseguia levantar e apenas ocasionais obras-primas. Mas só por "Cidadão Kane" e "Soberba" o grande diretor já teria tido seu lugar garantido na história do cinema. Lamentavelmente esse DVD com imagem e som muito ruins não faz jus a importância do filme, que fica esperando uma edição digna.