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Ficha completa do filme

Drama

Trinta Anos Esta Noite (1963)

Márcio Ferrari

Márcio Ferrari

Colaboração para o UOL 05/11/2010
Nota: 5
Trinta Anos Esta Noite

Um crítico americano, Terrence Rafferty, escreveu que o diretor Louis Malle (1932-1995) tinha a mais subestimada qualidade dos grandes artistas, a curiosidade. Em ''Trinta Anos Esta Noite'', ele volta sua lente inquisidora para um tema difícil de abordar, o suicídio.

Costuma-se considerar como marca principal do cineasta francês um olhar objetivo e receptivo ao exterior, isento de julgamento moral. Isso também está presente aqui, mas, ao filmar, Malle se encontrava próximo demais de seu objeto para não ser também intimista. Compartilhava com o personagem, Alan Leroy, não só a idade (início da casa dos 30), mas uma sensação de ''andar em círculos''. A crise do diretor se desenrolava no ambiente hedonista e volátil da noite parisiense, para onde o personagem volta na véspera de se matar.

Leroy (Maurice Ronet, impressionante) vive numa clínica de repouso luxuosa em Versalhes, onde se internou para se tratar de alcoolismo. Seu médico, com quem joga xadrez, o considera curado, mas ele não quer sair dali: ''Não tenho ânimo para encarar a vida.'' No ponto em que o filme começa, duas ausências marcam seu cotidiano ocioso: o álcool e a esposa americana, Dorothy, que o abandonou. Ficamos sabendo logo que Leroy lutou na Argélia, com mérito reconhecido, e que tem uma namorada, amiga da ex-mulher. Ela quer casar com ele, mas ele recusa.

O filme acompanha as últimas 48 horas de Leroy. Decidido a se suicidar, ele vai até Paris e faz uma ronda entre os amigos, alguns afetuosos, outros cruéis. Entre eles estão Dubourg (Bernard Noël), ''burguês resignado'' e recolhido a estudos de egiptologia, e Eva (Jeanne Moreau), pintora adepta do ópio, tão desencantada quanto Leroy, embora os dois não consigam se entender. Leroy acredita que seu problema pessoal é precisamente não alcançar contato: ''A sensibilidade está no meu coração e não nas mãos.''

''Trinta Anos Esta Noite'' se baseia no romance ''Fogo Fátuo'', de Pierre Drieux de la Rochelle, também ele suicida. Tanto o escritor como seu personagem eram ex-combatentes da Primeira Guerra, que Malle atualizou para a Argélia. Entre esses dois conflitos, em 1942, plena Segunda Guerra, o escritor Albert Camus abria ''O Mito de Sísifo'' afirmando, numa frase famosa, que ''não há outro problema filosófico verdadeiramente sério além do suicídio''.

Mas o absurdo da existência revelado pela guerra não parece ser exatamente a questão central na vida de Alain Leroy. Ao contrário, seus últimos dias são plenos de nostalgia e de sentido. Antes da ida para Paris, uma sequência bela e demorada mostra Leroy envolvido com suas pequenas coisas e seus pequenos gestos no quarto da clínica, em demonstrações de dedicação e apego paradoxais para quem pretende acabar com tudo. Num grande espelho, escrita com o dedo, está marcada a data do suicídio - Leroy pretende ''deixar em vocês um marca indelével''. Absurda mesmo é a vontade, e não é de estranhar que a perplexidade seja o tom dominante de um filme guiado pela perambulação.

Malle estreou no cinema ao mesmo tempo que os cineastas da Nouvelle Vague, mas nunca pertenceu ao movimento, mantendo distância cordial de Jean Luc Godard e François Truffaut. A aparente ausência de marca autoral em sua filmografia e a fama de dândi geravam desconfiança. Mas ele também tinha muitos hábitos nouvellevaguistas, como filmar nas ruas, preferir trabalhar com amigos, reverenciar a tradição literária e ver na presença de Jeanne Moreau algo de imprescindível.

Malle filma seu personagem esvaziado num tom extremamente grave e sem humor, pontuado pelo lirismo das peças de Erik Satie tocadas num piano solitário. Muitos consideram ''Trinta Anos Esta Noite'' a melhor obra do diretor, mas não ele. Malle achava que o espectador às vezes é levado a sentir pena do personagem imaturo, o que ele não queria. É difícil, contudo, imaginar esse filme melhor do que já é.

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