UOL Entretenimento Cinema

Ficha completa do filme

Documentário, Musical

Uma Noite em 67 (2010)

Márcio Ferrari

Márcio Ferrari

Colaboração para o UOL 31/12/2010
Nota: 3

Não há novidade factual em ''Uma Noite em 67''. É bem conhecida a polarização existente na época entre a ''música popular brasileira'' (tradicionalista) e a ''música jovem'' que unia Jovem Guarda e Tropicalismo (aberta à eletrificação e ao pop internacional). Também são de domínio geral as relações provocativas entre a música e a ditadura militar, assim como a importância histórica dos festivais, com seu clima quente gerado pelo público irrequieto.

''Uma Noite em 67'' aborda tudo isso de forma organizada e com um foco bem definido já no título. A intenção é tratar dessas questões por meio da etapa final do festival da TV Record daquele ano, que premiou duas canções da tendência tradicionalista (''Ponteio'', de Edu Lobo, primeiro lugar, e ''Roda Viva'', de Chico Buarque, terceiro) e duas tropicalistas (''Domingo no Parque'', de Gilberto Gil, segundo lugar, e ''Alegria, Alegria'', de Caetano Veloso, quarto). Em quinto lugar ficou um híbrido das duas vertentes, um samba de outro autor (''Maria, Carnaval e Cinzas'', de Luiz Carlos Paraná) cantado pelo rei da Jovem Guarda, Roberto Carlos. Os tradicionalistas se apresentaram de smoking, os modernos com roupas ''arrojadas'' e guitarras elétricas.

Também é mostrada a canção ''Beto Bom de Bola'', de Sérgio Ricardo, na apresentação célebre em que, massacrado por vaias, quebrou o violão e atirou-o contra o público.

O filme de Ricardo Calil e Renato Terra faz a sábia (e nem tão óbvia quanto pode parecer) opção de não avalizar o festival como competição. Não se questiona se ''Ponteio'' deveria mesmo ser a vencedora, nem, de resto, compara-se a qualidade das canções. A ironia espontânea fica por conta dos apresentadores (Blota Jr. e Sonia Ribeiro), imbuídos de seu papel comicamente cerimonial.

A montagem e a seleção do material filmado enfatizam os aspectos estratégicos do espetáculo. Paulo Machado de Carvalho, então o big boss da TV Record, defende uma ''organização'' semelhante ao de uma luta livre fajuta, com mocinhos e vilões. Zuza Homem de Melo, então técnico de som, fala em ''manobrar'' o som das vaias, colocando um microfone no meio da plateia. Chico Buarque ressalta que, em ''Roda Viva'', o arranjo já prevê os aplausos. Caetano Veloso diz que se sentia como quem ''organiza o movimento'', citando os próprios versos. Nelson Motta menciona a rivalidade estimulada pela TV Record. E Sergio Ricardo observa que a plateia havia se tornado um personagem.

Mesmo com certa contrariedade manifestada por Edu Lobo e Chico Buarque, percebe-se que todos, menos Sergio Ricardo, compreenderam os papeis que lhes cabiam.

O tom geral é de investigação e respeito, como manda o bom jornalismo. O que há de especial em ''Uma Noite em 67'' é a franqueza e a boa vontade que os diretores conseguiram tirar dos entrevistados. Cada aparição de Chico Buarque é um momento de bom humor e lucidez, e Caetano Veloso chega a apresentar, ao violão, uma apreciação crítica de ''Alegria Alegria'' (que chama, em parte, de ''marchinha antiquada de Portugal'').

As contradições aparecem espontaneamente, para o espectador avaliar: as visões de Gilberto Gil e Caetano Veloso sobre o papel do primeiro na criação da tropicália diferem essencialmente, assim como a lembrança de Nelson Motta sobre a apresentação de ''Alegria, Alegria'', contrariada pelas imagens (Motta se lembra de Caetano vencendo as vaias, mas o que se vê é uma consagração desde a primeira nota). Finalmente, mas não menos importante, fica em aberto o papel exercido pela vaia: desafio à repressão ou mentalidade de linchamento?

Não são apenas essas qualidades que transformaram o filme num sucesso de bilheteria: é impossível não reconhecer que a música brasileira se encontrava em estado de graça naqueles dias, e constitui, por si só, um espetáculo.

Os extras do DVD são fartos, com muitas entrevistas e canções não incluídas no filme (leia aqui sobre eles), mas, de alguma forma, desmontam a organização cuidadosa que é sua maior qualidade.

Maurício Stycer

Maurício Stycer

Crítico do UOL 23/11/2010
Nota: 5

Fenômeno de público, em matéria de documentário, ''Uma Noite em 67'', de Renato Terra e Ricardo Calil, levou 80 mil espectadores aos cinemas entre agosto e setembro de 2010. O seu lançamento em DVD, tão próximo da exibição nos cinemas, busca aproveitar a onda favorável ao filme e explorar o rico acervo de imagens não aproveitadas no filme.

Alguém poderá dizer que se trata de sobras, mas o conjunto de extras do DVD acaba formando um filme dentro do filme.

''Uma Noite em 67'' dedica-se a rememorar - e tentar entender - a final do III Festival de Música Popular Brasileira da TV Record, realizada no dia 21 de outubro de 1967. Para isso, concentra-se no conflito entre o tropicalismo emergente, representado pelas canções ''Alegria, Alegria'', de Caetano, e ''Domingo no Parque'', de Gilberto Gil, e a velha MPB, defendida por ''Ponteio'', de Edu Lobo e Capinan, e ''Roda Viva'', de Chico Buarque.

Também há espaço no documentário para esmiuçar a famosa cena protagonizada por Sergio Ricardo, que quebrou seu violão em resposta às vaias, durante a apresentação de ''Beto Bom de Bola'', e o sucesso de Roberto Carlos, cantando o samba ''Maria, Carnaval e Cinzas''.

Os extras do DVD ignoram estas questões para explorar outras. Primeiro, com a exibição de cinco canções que também disputaram o título naquela noite, mas foram esquecidas. É emocionante ver Nara Leão e Sidney Miller em ''A Estrada e o Violeiro'', assim como Nana Caymmi superar as vaias e ganhar o público com ''Bom Dia''.

Em depoimento dado para o filme, Dory Caymmi conta que a versão defendida por Elis Regina de ''O Cantador'' incluía elementos ''apelativos'' que o desagradaram. Já Jair Rodrigues, que defendeu ''Samba de Maria'', de Vinicius de Moraes e Francis Hime, ensina sua técnica para enfrentar as vaias: ''Olhar nos olhos das pessoas''.

Um outro conjunto de extras reúne ''causos'' relatados aos diretores do filme, mas sem ligação direta com os temas centrais que exploraram no documentário. Há histórias ótimas, como o depoimento de Paulinho Machado de Carvalho sobre o nascimento da Jovem Guarda, o primeiro encontro de Carlos Manga com Roberto Carlos, a ajuda do velho Partidão (o PCB) a Geraldo Vandré relatado por Ferreira Gullar e a participação de Martinho da Vila, com ''Menina Moça'', no festival.

Também são muito divertidos os depoimentos de Chico Buarque, sobre o seu primeiro festival, em 1965, com ''Sonho de Carnaval'', interpretada por Geraldo Vandré fora do tom, e sua participação, ao lado de Vinicius, no programa ''Esta Noite se Improvisa'', Caetano também tem boas recordações destas noitadas e de bebedeiras com Chico e Toquinho pela noite de São Paulo

Dois depoimentos incluídos nesta série de ''causos'' mereciam constar de ''Uma Noite em 67''. No primeiro, Chico Anysio, jurado do festival, defende a tese que a verdadeira canção vencedora foi ''Alegria, Alegria'', classificada em quarto lugar. ''Ninguém é capaz de cantar 'Ponteio' hoje em dia. Nem o autor'', diz Chico, ironizando a vitória da canção de Edu Lobo.

Já Arnaldo Baptista descreve suas contribuições e de Rogério Duprat para o arranjo revolucionário de ''Domingo do Parque'', classificada em segundo lugar. ''Eu dizia pra ele: 'Esse trecho quero que lembre os Dez Mandamentos. Aqui, quero uma coisa que lembre os cavalos de Roy Rogers''', conta Arnaldo, divertidíssimo.

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