SÃO PAULO - Um dos episódios mais importantes da história da ciência, o desenvolvimento da Teoria da Evolução, torna-se o pano de fundo para um drama familiar, em "Criação", que estreia em circuito nacional.
O inglês Paul Bettany ("O Código Da Vinci") e sua mulher Jennifer Connelly ("Ele não Está Tão a Fim de Você") interpretam o cientista Charles Darwin e sua mulher Emma, cuja crise no casamento se transforma em mote para o longa dirigido por Jon Amiel ("O Núcleo").
As descobertas de Darwin, a formulação de seus pensamentos e teoria não ganham muito espaço no filme à medida em que a narrativa avança e o drama familiar toma conta da história. Começando pela morte prematura da filha de 10 anos do casal, Annie (Martha West), que era bastante próxima do pai, e gostava de ouvir histórias de zoologia, das viagens de Darwin a terras distantes e especialmente sua amizade com uma macaquinha.
Cenas do passado e do presente se alternam. Pai e filha conversam, e ela parece ser a única que o compreende e realmente se interessa por seus estudos e pesquisas. No presente, o cientista se debate entre sua fé cristã, cada vez mais desgastada depois da morte da filha, e suas formulações científicas, que desafiam o dogma do criacionismo.
Ao contrário de Darwin, sua mulher está cada vez mais apegada a Deus e à religião e preocupada, não sem razão, com a saúde mental do seu marido. As implicações teológicas da teoria dele também a preocupam. A religião é representada pelo pastor local (Jeremy Northan, de "A Invasão"), que nunca bate radicalmente de frente com o cientista, mas tenta dissuadi-lo de suas ideias.
"Criação" é um filme que surpreende pelos caminhos escolhidos para contar a história. Nunca é óbvio, mas também nunca se aprofunda em seus temas. Ao optar por dar mais espaço para o drama familiar em detrimento das pesquisas e descobertas científicas de Darwin, faz parecer que a Teoria da Evolução só existiu porque o cientista mergulhou no seu trabalho depois da morte da filha.
O roteiro, assinado por John Collee ("Happy Feet", "Mestre dos Mares"), baseia-se num livro de Randal Keynes, um descendente direto de Charles Darwin, e se abre em tantas tramas, com idas e vindas no tempo, que o foco de "Criação" acaba se perdendo. As descobertas do cientista são relegadas a um segundo plano.
Bettany, aliás, já interpretou o amigo imaginário de um cientista em "Uma Mente Brilhante". Aqui, os papeis se invertem. Enquanto faz suas descobertas, Darwin conversa com o fantasma de sua filha. E, como ela é uma criança, ele explica tudo bastante didaticamente.
Assim, não se corre nenhum risco de que o público não entenda o que está acontecendo, porque aos produtores parece necessário esse tipo de artifício.
Dada a forma como "Criação" mostra Darwin, é de se estranhar que algum dia ele tenha conseguido colocar sua teoria no papel. Afinal, ele sempre está tão ocupado com outras coisas que, quando o livro fica pronto, é praticamente um milagre.
Assim, sem nunca revelar como isso realmente aconteceu, o longa se transforma em mais um drama sobre perda e superação, deixando de lado uma abordagem mais original.
(Por Alysson Oliveira, do Cineweb)
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