Natalie Porter e Vincent Cassel nas filmagens de "Black Swan"
Num ano em que conseguiu conquistar alguns dos títulos que não ficaram prontos para o Festival de Cannes – que teve, em maio, uma de suas edições mais pálidas -, o Festival de Veneza, que começa nesta quarta (1), exibe a marca da predominância de filmes norte-americanos, com direito ao cineasta Quentin Tarantino na presidência do júri da mostra competitiva, um número expressivo de trabalhos de diretores abaixo dos 50 anos e as inevitáveis homenagens e retornos. Logo na abertura, será exibido o primeiro yankee concorrente ao Leão de Ouro, o drama/thriller “Black Swan”, em que o diretor Darren Aronofsky faz sua terceira participação no festival mais antigo do mundo, sediado no Lido, o balneário veneziano.
Vencedor do Leão de Ouro em 2008, com o drama “O Lutador”, Aronofsky realiza uma espécie de desempate pessoal nesta sua terceira passagem pela competição em Veneza. Na primeira vez, em 2006, viveu o inferno da rejeição e das vaias ao seu desastroso “Fonte da Vida”. Em 2008, ressuscitou profissionalmente no mesmo cenário, juntamente com o ator Mickey Rourke, redescoberto como o protagonista de “O Lutador”. Resta ver como será acolhido agora seu novo filme, que investe na tensão entre duas bailarinas (Natalie Portman e Mila Kunis) e um diretor artístico (o francês Vincent Cassel, de “À Deriva”). No elenco, uma presença que vai dar o que falar é a de Winona Ryder, um tanto sumida depois do escândalo de um processo por roubo, em 2001.
Cena do filme ''Machete'', que tem Jessica Alba no elenco
"Somewhere", de Sofia Copolla, mostra relação entre pai famoso e sua filha
Outro que ressurge é o texano Robert Rodriguez, inaugurando, logo na primeira madrugada, as sessões da meia-noite, com o aguardado “Machete” - a expansão do falso trailer de “À Prova de Morte” (2007), acompanhando as sangrentas aventuras de um legendário ex- agente federal (Danny Trejo) que se acreditava estar morto. Dirigido por Rodriguez e Ethan Maniquis, o filme, que passa fora de competição, tem no elenco Jessica Alba, Robert De Niro e Don Johnson (veja trecho, em inglês). A estreia no Brasil está prometida para 15 de outubro.
Na competição de longas-metragens, o domínio yankee é comprovado por matemática simples: dos 23 concorrentes ao Leão de Ouro, seis são produções ou coproduções dos EUA. Entre eles, estão alguns dos títulos que todo mundo quer conferir.
É o caso de Sofia Coppola, que apresenta seu drama “Somewhere”, a história de um playboy (Stephen Dorff) confrontado com uma boa dose de realidade com a chegada de sua filha de 11 anos (Ella Faning). Muita gente quer saber se a nova produção confirma o talento da premiada diretora de “As virgens suicidas” (99), “Encontros e desencontros” (exibido em Veneza em 2003) e “Maria Antonieta” (2006).
Sete anos depois do polêmico “Brown Bunny” – que concorreu à Palma de Ouro em Cannes 2003 -, o ator e diretor Vincent Gallo volta à direção com “Promises written in water”. Um filme sobre o qual, à parte a informação de que ele também atua, nada se sabe, já que o cineasta não quis fornecer nenhum detalhe ao site do Festival de Veneza.
Gallo também terá outro filme seu, “Vincent Gallo – The Agent” programado na seção paralela Horizontes, dedicada a filmes experimentais e de novas tendências. Nesta mostra, que tem uma premiação própria, está um dos poucos títulos brasileiros, o curta “O mundo é belo”, de Luiz Pretti. Outra participação brasileira é na coprodução com a Espanha “Lope”, dirigida por Andrucha Waddington (“Eu, tu eles”), biografando o célebre dramaturgo espanhol do século 16, Lope de Vega. No elenco deste último, figura a atriz Sonia Braga. O Brasil, mais uma vez, ficou de fora da competição.
Contrastando com a maioria dos diretores presentes em Veneza, em boa parte com menos de 50 anos, um dos mais idosos selecionados é o veterano Monte Hellman, de 78 anos, competindo com um drama que mistura tragédia e paixão num set de filmagem, “Road to nowhere”. Hellman é conhecido por filmes de terror ou faroestes, como “A vingança de um pistoleiro” (67), estrelado por Jack Nicholson.
Outro que entra pela terceira vez na disputa do Leão de Ouro é Julian Schnabel – que concorreu anteriormente com os dramas “Antes do Anoitecer” (que levou o Grande Prêmio do Júri em 2000) e “Basquiat” (1996). Agora, Schnabel retorna com “Miral”, uma coprodução com Israel, França e Itália que ficcionaliza a história de Hind Husseini (Hiam Abbas), pioneira palestina criadora de um instituto para órfãos.
A última concorrente norte-americana é a diretora independente Kelly Reichardt (“Wendy & Lucy”), que comparece com “Meek’s Cutoff” - um drama histórico sobre pioneiros nos EUA, ambientado em 1845 e estrelado por Michelle Williams (“O Segredo de Brokeback Mountain”) e Paul Dano (“Sangue negro”).
A respeitável participação europeia na competição principal, 11 títulos, tem entre os nomes mais promissores o alemão Tom Tykwer (com “Three”, drama sobre um triângulo amoroso); o tunisiano radicado na França Abdellatif Kechiche (premiado em Veneza 2007 com “O segredo do grão”, agora retornando com o drama francês “Venus Noire”); o francês François Ozon (com “Potiche”, drama familiar estrelado por Catherine Deneuve e Gérard Depardieu); o polonês Jerzy Skolimowski (com “Essencial Killing”, drama sobre soldado afegão também estrelado por Vincent Gallo); e o espanhol Alex de la Iglesia (“O crime ferpeito”), contando a história de dois palhaços (Santiago Segura, Antonio de la Torre) durante a Guerra Civil Espanhola, em “Balada triste de trompeta”.
Ninguém sabe muito bem o que esperar dos quatro concorrentes italianos ao Leão, visto que a produção recente do país-sede tem deixado a desejar. Em todo caso, estão na linha de frente o drama “La solitudine dei numeri primi”, de Saverio Costanzo (de “Violação de Domicílio”), com Filippo Timi (o jovem Mussolini de “Vincere”, de Marco Bellocchio) e Isabella Rossellini; “La Passione”, de Carlo Mazzacurati, seguindo um cineasta em declínio (Silvio Orlando) forçado a dirigir uma representação da Paixão de Cristo; o drama de hospício “La pecora nera”, de Ascanio Celestini, tendo no elenco Maya Sansa (“Bom dia, noite”); e “Noi credevamo”, de Mario Martone, filme de época sobre a unificação italiana, no século XIX.
Pouco representada este ano em Veneza, a Ásia tem três concorrentes na seção principal. Duas produções são japonesas: a história de samurais “13 assassins”, do veterano Takeshi Miike (“Três... Extremos”), e o drama “Norwegian Wood”, em que o cineasta vietnamita Tran Anh Hung (“O cheiro da papaia verde”) adapta o bestseller homônimo de Haruki Murakami, grande sucesso no Japão, entrelaçando romances na Tóquio dos anos 60.
O terceiro asiático é o chinês “Detective Ace and the mystery of phantom flame”, em que o diretor de ação Tsui Hark (“Caçadores de vampiros”) realiza um filme de época, sobre mortes misteriosas acontecendo antes da ascensão da nova imperatriz da dinastia Tang, no ano 690 depois de Cristo. Fora de concurso, o veterano mestre chinês dos filmes de ação, John Woo, recebe o Leão de Ouro de carreira deste ano, apresentando em sessão de gala seu inédito novo thriller de artes marciais, “Reign of Assassins”.
Correndo por fora na caça ao Leão de Ouro figuram ainda a comédia dramática grega “Attenberg”, de Athina Tachel Tsangari; o russo “Silent souls”, de Aleksei Fedorchenko; o drama romântico francês “Happy Few”, de Antony Cordier; o canadense “Barney’s Version”, de Richard J. Lewis (que tem no elenco a dupla Dustin Hoffman e Paul Giamatti); e o suspense político chileno “Post mortem”, de Pablo Larraín (diretor da coprodução brasileira “Tony Manero”), único concorrente latino-americano da seção principal.
Nas diversas seções paralelas em Veneza, haverá uma série de homenagens, aos atores Vittorio Gassman (falecido em 2000) e Dennis Hopper (que morreu em maio deste ano), além da presença de novos filmes de medalhões. Na mostra Giornate degli autori, reaparece o iraniano Jafar Panahi, que sofreu prisão política no início do ano em seu país, com o novo trabalho “The accordion”. Na mostra Horizontes, o veteraníssimo português Manoel de Oliveira, do alto de seus quase 102 anos (que completa em dezembro), apresentará o curta “Paineis de São Vicente de Fora, visão poética”, uma divagação sobre as pinturas do século XVI, atribuídas ao artista Nuno Gonçalves.