Da esquerda para a direita: o ator Jon Hamm, a atriz Rebecca Hall, o diretor Ben Affleck e o ator Jeremy Renner participam do Festival de Veneza com "Atração Perigosa" (8/09/2010)
Correndo por fora da competição, Ben Affleck atraiu as principais atenções hoje em Veneza com seu segundo filme como diretor, “The Town” – um policial eletrizante, cheio de tiroteios e perseguições de automóvel pelas ruas de Boston, adaptando livro de Chuck Hogan. No Brasil, o filme terá o título “Atração Perigosa”, com estreia prevista para 26 de novembro.
Num festival que tem se mostrado econômico na presença de grandes astros, o filme de Affleck certamente preenche uma lacuna ao trazer para o Lido veneziano não só o próprio Affleck como Jon Hamm (o Don Draper da série “Mad Men”), Jeremy Renner (indicado ao Oscar em 2009 como protagonista de “Guerra ao terror”) e Rebecca Hall (de “Vicky Cristina Barcelona”). Por esse motivo, o filme mereceu uma das coletivas mais concorridas desta semana de festival, lotando a sala destinada a esse fim no Cassino do Lido – que, mais uma vez, foi parcialmente alagado, num outro dia de fortes chuvas pela manhã.
Affleck – que já dirigiu “Medo da verdade” (2007), lançado diretamente em DVD no Brasil – acabou defendendo o irmão, Casey, que há dias esteve num fogo cruzado por aqui ao apresentar o (?) documentário “I’m Still Here”, que foi acusado de ser uma peça de relações públicas para promover o cunhado, o ator Joaquin Phoenix, oficialmente afastado da carreira há dois anos. Indagado sobre como descreveria o irmão – que fez o mesmo ao participar da coletiva do próprio filme - , Ben declarou: “Nem quero saber o que ele disse sobre mim. Vi o filme dele e acho que é realmente relevante, ao revelar o que há por trás das cortinas da celebridade. Ele é um grande diretor”.
Bem mais à vontade do que Casey, Ben também se permitiu uma piada com a própria jornalista australiana que fez a pergunta sobre os irmãos: “Você parece minha mãe perguntando isso”.
Simpatia pelo bandido
Perguntado sobre o risco de transformar seu próprio personagem no filme, o assaltante de bancos Doug McRay, num heroi, Affleck respondeu: “Fiquei com isso em mente o tempo todo. Não quis glorificar ninguém, só simplificar. Ao mesmo tempo que mostro que ele faz coisas reprováveis, procuro deixar claro também que ele está tentando mudar”.
O ator-diretor vê uma conexão entre este trabalho, seu filme anterior, “Medo da Verdade” e até “Gênio Indomável”- o roteiro que ele assinou com Matt Damon e deu aos dois o Oscar de melhor roteiro original em 1998. A semelhança, para ele, está na “dificuldade de escapar de onde se nasceu”. Em “The Town”, a gangue de ladrões de banco vem de uma mesma região de Boston, Charlestown.
Consagrado pelo sucesso da série “Mad Men”, o ator Jon Hamm, por sua vez, manifestou sua alegria pelo papel neste filme, do agente do FBI Frawley. Apesar de dizer-se “muito grato” pela repercussão de seu trabalho na TV, Hamm disse: “Não quero passar a vida toda batendo na mesma tecla do piano”. Para ele, este papel foi gratificante também por ser muito diferente do publicitário que interpreta na série.
Racismo e exploração
Dentro da competição pelo Leão de Ouro, causou polêmica o drama “Venus Noire” (literalmente, “Vênus Negra”, em que o diretor tunisiano-francês Abdellatif Kechiche (de “O Segredo do Grão”) recuperou a trágica história real de Saartjie Baartman, que viveu no começo do século XIX.
Africana hotentote, de formas peculiarmente generosas – especialmente nos quadris e genitais, uma característica do povo a que pertencia – Saartjie (interpretada pela estreante Yahima Torrès) é levada por seu patrão (Andre Jacobs) a Londres. Lá, ao invés da dançarina que esperava tornar-se, ela vira uma atração de circo, atuando num show em que é apresentada como uma selvagem e obrigada a mostrar o corpo e deixar ser tocada pelos espectadores.
Questionado, na coletiva do filme, se não levou longe demais a exposição do próprio corpo da atriz para contar a história, o diretor defendeu-se: “É a história de um corpo e sua mutilação e também um filme sobre os olhares dos outros sobre este corpo”.
Sobre a longa duração do filme (160 minutos), Kechiche foi irônico: “Realmente, não me preocupei com a paciência do espectador, já que minha atriz foi tão paciente”. Para o diretor, seu filme “pretende ser uma reflexão sobre a responsabilidade coletiva”.
Nem após a morte, aliás, o corpo de Saartjie foi deixado em paz. Em Paris, onde ela vivia em 1815, quando morreu, ele foi doado a cientistas, que preservaram seus genitais num vidro em formol. Seu esqueleto foi, até 2002, exposto no Museu do Homem de Paris. Neste ano, o país de origem da moça, a África do Sul, pediu seus restos mortais de volta e providenciou-lhe, finalmente, uma sepultura. Tudo isso é lembrado nos créditos finais.
Aliás, o diretor também acha que o tema de “Venus Noire” é “contemporâneo”. “Infelizmente, do ponto de vista político, mesmo hoje estamos vendo o apoio a coisas assim. Não é por acaso que presenciamos uma ascensão do fascismo e discursos racistas na Europa. Neste momento, estão me angustiando as imagens da expulsão dos imigrantes”.