A sensação ao final da primeira sessão de imprensa de "BirdWatchers", na manhã desta segunda-feira 1, foi de "finalmente". Finalmente um filme que merece estar na seleção, que merece ser chamado realmente de bom, sem grandes ressalvas - e que, pelo menos até agora, desponta como o único realmente com chances de levar o Leão de Ouro.
Co-produzido pela Gullane Filmes e rodado inteiramente em Mato Grosso do Sul, "BirdWatchers" foi dirigido pelo chileno radicado na Itália Marco Bechis. Ele trata de maneira sóbria o drama atual dos índios brasileiros, dando conta da complexidade do assunto. O cacique de uma aldeia guarani-caiowá decide deixar a reserva demarcada pelo governo para ocupar a terra que pertencia a seu povo, hoje uma fazenda de soja. As florestas estão cada vez menores, a caça e a pesca diminuíram, os jovens estão se suicidando, divididos entre a tradição de sua cultura e as influências dos brancos. A Sala Perla estava lotada e assim permaneceu até o final, e a obra recebeu muitos aplausos.
A coletiva de imprensa estava igualmente concorrida, com poucas cadeiras vazias. A atração foram os cinco índios protagonistas do filme - que, aliás, fazem um grande trabalho. Eliane Juca da Silva foi responsável pelo melhor momento entre todas as entrevistas coletivas do festival até o momento. Ela falou de forma contundente e emocionada sobre a situação do índio brasileiro - e sensibilizou a todos.
"Eu me sinto muito triste porque nossas lideranças morrem, morrem muitas crianças desnutridas, não tem mais rio. A gente quer oportunidade para nossos jovens, que são iguais a vocês. Somos humanos. A gente tem pensamento, cultura, raça e língua, a gente quer oportunidade para crescer na vida", disse. "A gente não tem mais espaço para rezar, a gente mora num lugar muito pequeno, os fazendeiros pensam que a gente é invasor, e a gente não é. A gente só quer um pedacinho de terra para plantar." Ela conclamou a todos a prestar atenção no longa e no que ele diz. "O que acontece no filme não é mentira. É realidade. Isso que está acontecendo no Brasil. Quero que vocês acreditem que a gente está falando a verdade, a gente não está mentindo."
Bechis rebateu a observação de um jornalista, que disse que eles não são nem índios nem "civilizados". "Não estou de acordo que eles não sejam índios nem brancos. Aparentemente, pode parecer, mas de fato, não. Eles querem voltar a suas terras, onde não há mais árvores, porque consideram suas terras ancestrais. A cultura permaneceu intacta.
Estamos acostumados a ver índios com flechas e penas, mas eles se vestem assim porque nós vamos lá para fotografá-los", disse ele. "Eles são índios na alma, e a alma deles é intacta." A cena inicial da produção mostra isso brilhantemente, ao mostrá-los pintados para a guerra, fazendo cara de mau, com arco e flecha na mão, para depois desconstruir a imagem, deixando claro que eles estão fantasiados de índios para que os turistas vejam.
O cineasta disse que tem esperança de que as coisas melhorem. "A minha esperança é grande, pois estou convencido que eles têm as idéias bem mais claras do que nós sobre como devemos viver na Terra. Tenho esperança de que transmitam para nós essa esperança. Eles são os outros, e na Itália o outro dá medo. Não temos curiosidade em relação aos outros, como eles têm curiosidade em relação a nós. Se não houver essa troca, para nós brancos não haverá mais vida."
Ator do filme, o cacique Ambrósio Vilhalva clamou por justiça. "O índio não tem direito a nada. Tem justiça para os grandes empresários, para ele tem juiz, deputado, senador. Para os índios, pobres e negros, não. Espero que o filme faça com que vocês ergam a cabeça e que olhem grande para o país."