Itália compete em Veneza com filme sobre máfia
O poderoso cinema italiano de denúncia e compromisso, que formou gerações inteiras, retorna nesta sexta-feira (29) ao Festival de Veneza com uma história sobre a máfia, em uma trama de vingança e sentimentos, sob a batuta do diretor Francesco Munzi.
Formado no lendário Centro Experimental de Cinema de Roma, Munzi, de 45 anos, consegue com "Anime Nere" ("Almas Negras", em tradução livre), contar os mecanismos íntimos da 'Ndrangheta, a temida máfia calabresa, através da história de três irmãos, filhos de um pastor de cabras, analfabeto, nas perdidas montanhas de Aspromonte.
"É a história de três irmãos do povoado de Africo, que, junto com Plati e San Luca, faz parte do triângulo das Bermudas do crime", explicou Munzi, que rodou o filme neste território, o coração de uma das organizações criminosas mais ferozes, que administra o tráfico de cocaína na Europa e com ramificações na América Latina, principalmente no México e na Colômbia.
"Meu encontro com a Calábria foi como o de um antropólogo, um documentarista, cheio de curiosidade", confessa o cineasta, que se inspirou livremente no livro homônimo de Giocchino Criaco.
"Cheguei a Africo carregado de preconceito e medo. Descobri um mundo complexo e variado. A desconfiança se tornou curiosidade, abriram as portas das casas para nós, misturei atores profissionais com gente do lugar. Sem eles não poderia contar sua história", reconhece Munzi, que dedicou mais de três anos a este processo.
O filme, que participa sucessivamente do Festival de Toronto, foi aplaudido após sua primeira sessão para a imprensa e rompe com o clichê tradicional da máfia italiana.
Três irmãos
"Quis contar a guerra dentro de uma mesma família, uma família que implode, porque o conflito está dentro deles, na realidade é uma tragédia", sustenta Munzi, cujos atores falam em dialeto calabrês.
Protagonizado por três irmãos, Luigi, Luciano e Rocco (Marco Leonardi, Peppino Mazzotta, Fabrizio Ferracane), descreve a evolução de três simples filhos de um camponês assassinado por vingança que passaram a gerir negócios lucrativos em Milão e na América Latina, reciclar dinheiro, lidar com somas em inglês e espanhol, construir conjuntos residenciais, investir, viajar.
"Estudaram, passaram pela universidade, não são os criminosos que o cinema descreveu", ressalta o cineasta, que inicia o filme justamente com uma reunião em um porto anônimo de uma rica e grande cidade, na qual assuntos comerciais são tratados em vários idiomas, de espanhol a inglês.
Entre o arcaico e o moderno
Apesar desta modernidade, o filme, com uma fotografia que desconcerta, já que foi filmada em quase sua totalidade na zona velha de Africo, um povoado da Calábria que foi evacuado nos anos 50 após um desabamento, transporta o expectador a um ambiente arcaico, com seus ritos pagãos, como o cumprido pelo mais velhos dos irmãos, que bebe "pó de santo' para curar as doenças.
A guerra desencadeada entre humanos, com suas visões diferentes, seus laços com a própria história familiar, seu amor por sua terra, seus costumes e tradições, permitem ao diretor narrar uma história universal, de mafiosos de qualquer lugar do mundo, atormentados por um passado e condenados a um futuro.
"Este contraste entre o arcaico e o moderno é a chave do filme", explica o diretor, que consegue mostrar - sem usar muitas imagens violentas - as dificuldades para discernir entre o bem e o mal, para romper o círculo vicioso de vingança e ódio que a própria história familiar impõe, algo tão cruel quanto difícil de aceitar.
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