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Em velório, Ney Latorraca diz que Bengell deixa mensagem de liberdade

Sabrina Grimberg

Do UOL, no Rio

09/10/2013 18h20Atualizada em 09/10/2013 21h34

Primeiro a chegar no cemitério São João Batista, em Botafogo, no Rio, onde o corpo de Norma Bengell está sendo velado na noite desta quarta (9), o ator Ney Latorraca afirmou que a mensagem que fica com a morte da atriz e cineasta é de liberdade. “Ela era dessas mulheres que veio para mudar, e mudou”, diz. Para ele, “fica o glamour de uma estrela. Com a globalização, isto está desaparecendo. Ainda tem Fernanda Montenegro, Marilia Pêra, Marieta Severo, mas está desaparecendo”.

Ney contou que falou com Norma por telefone nesta terça (8), e perguntou se seu quarto no hospital tinha TV e se já começaria a fazer fisioterapeuta. O ator diz que tinha intenção de visitá-la, mas estava gripado e achou melhor esperar. “Fui surpreendido com a notícia e fiquei muito triste”, afirma.

Ney lembrou a ajuda que Miguel Falabella deu a Norma ao colocá-la no elenco da série “Toma Lá, Dá Cá” e também contou que perseguia a atriz por Copacabana quando tinha dez anos, atrás de uma foto e autógrafo.

A cineasta Carla Camurati também foi ao cemitério São João Batista prestar sua homenagem e relembrou dois momentos em que trabalharam juntas: no primeiro curta-metragem de Carla, de 1987, em que Norma fez uma participação; e no filme "Eternamente Pagú" (1988), em que Carla foi dirigida por Norma.

"A primeira vez que subi no palco do [Teatro] Municipal foi para fazer uma cena de 'Pagu'. Eu e a Norma no palco do Municipal! Que emoção! Foi um momento muito especial", lembra.

Carla conta que esteve com Norma na Flip 2012, mas a atriz já estava com a saúde debilitada. "O que fica é a alegria que a Norma tinha de acreditar nas coisas e seu trabalho de vanguarda", afirma.

Mesmo com dificuldades de locomoção, o cineasta Silvio Tendler também foi se despedir da amiga, com quem co-dirigiu o documentário inédito "J. Carlos - O Cronista do Rio". "Agora vou ter que correr", afirma Tender. Segundo ele, faltam apenas os ajustes finais. "A Norma é importante na história da cultura brasileira", diz.

A atriz e cineasta Rose Lacreta, uma das últimas pessoas a estar com Norma, também compareceu ao cemitério. Ela esteve no hospital na noite de terça, mas encontrou a amiga já pouco consciente e com a capacidade respiratória bastante limitada.

A última pessoa a estar com Norma quando ela ainda estava consciente foi a acompanhante Luciene Marques, que contou que a atriz passava por dificuldades financeiras e que desejava que suas cinzas fossem jogadas no Arpoador.

A presidente Dilma Roussef enviou uma coroa de flores ao cemitério.

Morte

Norma Aparecida Almeida Pinto Guimarães D'Áurea Bengell, conhecida como Norma Bengell, morreu por volta das 3h da madrugada desta quarta-feira, na unidade Bambina do Hospital Rio Laranjeiras. Ela tinha 78 anos.

Bengell foi diagnosticada há cerca de seis meses de câncer no pulmão direito, e estava no Centro de Tratamento Intensivo do hospital desde o último sábado.

O velório é aberto ao público e a cremação será no Memorial do Carmo, no Caju, nesta quinta, às 14h.

Um amigo da família contou à reportagem que, no últimos dias de vida, a artista estava bastante debilitada, sentindo falta de ar e que não reconhecia mais ninguém.

Conheça a trajetória
Norma Bengell nasceu no Rio de Janeiro, onde começou a se apresentar como vedete do teatro de revista aos 16 anos. Também foi cantora e gravou versões de “A Lua de Mel na Lua” e “E Se Tens Coração”.

O primeiro LP, "OOOOOH! Norma", viria em 1959, no mesmo ano de sua estreia no cinema, na comédia “O Homem de Sputinik”, em que interpretava um símbolo sexual, em uma clara analogia com a atriz Brigitte Bardot.

Com o sucesso no cinema, Norma se voltou quase totalmente para a sétima arte. Em 1961, estrelou o filme "O Pagador de Promessas", de Anselmo Duarte, vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes.

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    Cena de "Os Cafajestes"

Primeiro nu frontal no cinema nacional
A atriz entrou para a história ao protagonizar a primeira cena de nu frontal do cinema brasileiro, aos 26 anos. A cena, um avanço para a época, fez parte do filme “Os Cafajestes”, de 1962, dirigido por Ruy Guerra.

A exposição internacional -- e a repercussão de “Os Cafajestes” -- a levou a trabalhar no cinema europeu. Segundo a própria atriz, chegou a conhecer e namorar o ator francês Alain Delon. Fez filmes na Argentina (“Sócio de Alcova”) e na Itália (“Mafioso”, de 1962, e “Os Cruéis”, de 1967). 

Com o sucesso, engatou quase um filme por ano, participando de produções que marcaram a história do cinema nacional, como "A Casa Assassinada" (1971), de Paulo Cesar Saraceni; "A Idade da Terra" (1980) , de Glauber Rocha e "Rio Babilônia" (1982), de Neville d'Almeida. Em “Noite Vazia" (1964), de Walter Hugo Khouri, interpretou uma prostituta ao lado de Odete Lara e do ator italiano Gabriele Tinti, com quem foi casada de 1963 até 1969.

Por sempre atuar em peças e filmes alvos dos censores da ditadura militar, a atriz alegava ter sido perseguida, o que a obrigou a se exilar na França em 1971. Em 2010, a Comissão de Anistia reconheceu a atriz como anistiada política e concedeu uma reparação econômica de cerca de R$ 100 mil.

Carreira como diretora
Estreou como diretora em 1988, em “Eternamente Pagu”, sobre a escritora modernista. Ainda atrás das câmeras, adaptou o clássico "O Guarani", de José de Alencar, para o cinema, em 1997. Em 2005, voltaria a focar em histórias de grandes mulheres como “Infinitamente Guiomar Novaes”, um documentário sobre a pianista morta em 1979, e “Magda Tagliaferro - O mundo dentro de um piano”.

No teatro, subiu aos palcos em 1968, sob a direção do então estreante Emilio Di Biasi em "Cordélia Brasil", primeiro texto do escritor e dramaturgo Antônio Bivar. Em 1976, faz "Vestido de Noiva", de Nelson Rodrigues. A atriz retornaria ao texto clássico, em 2008, com a Cia. Os Satyros, sob a direção de Rodolfo García Vázquez.

Em 2007, em sua volta aos palcos, após 20 anos, teve uma crise de stress que a fez abandonar a apresentação de “O relato íntimo de Madame Shakespeare". Na época, Norma passava por um processo judicial, no qual era acusada de desviar verbas na captação de recursos para os filmes “O Guarani” e “Norma”, projeto que nunca foi concluído.

  • Reprodução

    As atrizes Eva Todor, Tônia Carrero, Eva Wilma, Leila Diniz, Odete Lara e Norma Bengell em 1968, durante a passeata dos cem mil, em protesto contra a ditadura militar no Brasil, no Rio de Janeiro

Últimos trabalhos
Na televisão, apresentou e participou de alguns programas da TV Tupi e na TV Rio, como “Noite de Gala”. Reapareceria apenas em 2008, com a personagem Dayse Coturno, no humorístico “Toma Lá, Dá Cá”, da TV Globo.

Em 2010, uma foto sua em uma das passeatas históricas da década de 1960, durante o processo de ditadura militar, foi utilizada pela então candidata do PT à Presidência da República, Dilma Rousseff, causando a acusação de uso indevido de imagem e associação da atriz. Na época, Norma desmentiu qualquer mal-estar e manifestou apoio à candidata.

Seu último trabalho foi no teatro, no mesmo ano, quando protagonizou a montagem de "Dias Felizes", de Samuel Beckett, com a direção de Emílio Di Biasi. No palco, sua vida se fundiu à história de Beckett e trechos preciosos de sua trajetória eram exibidos ao fundo.