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Em estreia de documentário, viúva de Amarildo diz ainda esperar justiça

Fabíola Ortiz

Do UOL, no Rio

30/09/2014 05h45

“A pergunta cadê o Amarildo continua no ar até hoje”, questiona Elizabete Gomes da Silva, 47, a Bete, viúva do ajudante de pedreiro Amarildo, 43, desaparecido após ter sido levado por policiais da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) da Rocinha no Rio de Janeiro há mais de um ano.

O caso Amarildo se tornou emblemático no auge das manifestações em julho de 2013 e agora tem sua história contada pelo jovem documentarista Rodrigo Mac Niven em “O Estopim”, lançado na noite desta segunda-feira (29) no Festival do Rio, com a presença de familiares e amigos do pedreiro.

O caso ocorrido no dia 14 de julho de 2013 ainda continua impune. “Para mim não mudou nada, meus filhos até agora me perguntam cadê o pai. Queria que, pelo menos, dessem os restos mortais para poder enterrar. Eu espero justiça, ela não foi feita, estamos há um ano sem resposta”, reivindicou Bete, minutos após a pré-estreia do longa.

Ainda comovida, Bete admitiu ter sido difícil assistir a todas as cenas do filme, especialmente as de tortura. “É uma barra muito pesada”. Quando o diretor a procurou para fazer o filme, Bete lembra que não hesitou ao concordar em dar seu depoimento. “Não fiquei com medo e resolvi falar. O pior já aconteceu”.

O filho mais velho de Bete, Anderson, 22, contou que o rancor ainda não diminuiu. “A angústia continua, só vai parar quando a gente encontrar o corpo de nosso pai. Mas a gente está sobrevivendo e tentando se erguer de novo. A nossa luta foi reconhecida”, disse.

“Estou vivo graças a esse documentário”

Um dos protagonistas do documentário que topou gravar depoimentos de denúncia foi Carlos Eduardo da Silva Barbosa, o Duda, 37. Ele conhece bem a família de Amarildo, além de ter sido já ameaçado de morte por policiais e ter tido um irmão torturado por agentes militares.

“Estou vivo hoje graças a esse documentário e às pessoas que tiveram coragem de denunciar. Ele foi gravado em tempo real, fiz denúncias de tortura, ameaça e privação de direitos. A gente não quer ficar invisível dentro dos becos das comunidades. A gente não aguenta mais, temos que rever os conceitos de segurança pública e que o filme sirva para abrir a discussão”, desabafou ao UOL Duda.

"O filme tem que mexer"

Carioca, 37 anos e nascido em Botafogo, zona sul do Rio, o diretor Rodrigo Mac Niven diz que sempre se relacionou com as favelas. No audiovisual há mais de 15 anos, este é o seu terceiro longa documentário. O primeiro, “Cortina de Fumaça” foi lançado no Festival do Rio em 2010 e aborda a política das drogas. Já o segundo, “Armados”, de 2012, retrata a cultura da violência e a política de armas. “O Estopim” esmiúça o caso Amarildo por ter se transformado em símbolo de resistência e luta da sociedade civil contra a violência do Estado.

O caso foi o estopim não apenas para a mobilização de outras comunidades, mas principalmente para expor as fragilidades de um projeto de segurança pública militarizado, admite Rodrigo Mac Niven.

Seus filmes são 100% independentes e colaborativos, sem que ninguém da equipe receba cachê, mesmo pela atuação em cenas ficcionalizadas, como a representação de tortura que o filme mostra.

“Meus filmes têm temas de cunho social frente à cidade onde vivo. Me debrucei sobre essas questões para levantar o debate, o filme para mim é uma grande ferramenta. Tive contato com o caso Amarildo nas ruas, quando a pergunta ‘Cadê o Amarildo?’ começa a surgir”, afirmou ao UOL.

O jovem documentarista espera que o filme dê voz aos moradores de favelas que tenham sofrido algum tipo de violência. “Quero que as pessoas vejam o filme e se sensibilizem, que sintam indignação e repulsa. O filme tem que mexer”, defendeu.

Entre os representantes da classe política presentes na sessão, estava o deputado federal Chico Alencar (PSOL) que argumentou sobre a necessidade de impedir o esquecimento de casos de violência como o ocorrido com o Amarildo. Para ele, levar para as telas de cinema “significa dar visibilidade com uma linguagem contundente, comunicativa e tocante da arte para algo que sempre se cai no esquecimento. É para não se esquecer e continuar na busca”, disse.

O ator André Ramiro, que viveu o policial Mathias de “Tropa de Elite”, também fez questão de comparecer à pré-estreia do filme. “Estava curioso. Mais uma vez o cinema é prova de que não é só entretenimento, é informativo e até militante, ainda mais com esse caso que chocou todo o Brasil. A gente não sabe até hoje exatamente o que aconteceu”, lamentou.

Segundo a produtora Mariana Genescá, o documentário já começou a receber convites de festivais europeus antes mesmo de ser lançado no circuito nacional.