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Diretor e roteirista explicam por que, em "O Hobbit", três não é demais

Diego Assis

Do UOL, em Wellington (Nova Zelândia)*

08/12/2014 13h51

Quando se soube, em 2006, que a aguardada adaptação de "O Hobbit" para o cinema teria duas partes, a reação de muitos fãs foi de descrédito. Se cada um dos livros da trilogia "O Senhor dos Anéis" correspondeu a um filme do diretor Peter Jackson, então por que não concentrar todo o enredo do livro lançado por Tolkien em 1937 em um só longa-metragem? A desconfiança só fez aumentar quando, em julho de 2012, Jackson revelou durante a San Diego Comic-Con que, na verdade, faria três, e não dois filmes com o mesmo material. 

Três é demais? Se a pergunta for meramente financeira, a resposta é simples: não, porque dá muito dinheiro. Na ponta do lápis, a conta total para produzir e filmar as três partes de "O Hobbit" - "Uma Jornada Inesperada", lançada em dezembro de 2012; "A Desolação de Smaug", de dezembro de 2013 e "A Batalha dos Cinco Exércitos", que estreia nesta semana no Brasil - impressiona: foram gastos US$ 745 milhões, o que a torna a trilogia mais cara da história do cinema. Mas o valor fica "pequeno" se levarmos em conta que cada uma das duas partes já lançadas arrecadou sozinha perto de US$ 1 bilhão.
 
Embora seja o tema principal do terceiro filme, que mostra anões, elfos e humanos brigando por um tesouro incomensurável, a ganância não foi o que moveu os produtores a fatiarem as pouco menos de 350 páginas do livro de Tolkien em três filmes, garante a roteirista Philippa Boyens.
 
"['O Hobbit'] É um livro que engana. Você talvez até pudesse resumi-lo todo em uma só parte, mas se fizesse isso, teria de tomar decisões sobre o que deixar de fora. 'OK, a gente mantém o capítulo que fala das aranhas? E o que a gente faz com as passagens com as águias?' E aí você percebe que cada sequência dessas, no livro, é muito visual. Você não tem como roteirizar brevemente o encontro dos anões com os gigantes de pedra. E os gigantes de pedra são só duas linhas no livro, mas você não vai achar que Peter Jackson iria desistir de fazê-los! Porque são momentos sempre tão cinemáticos, tão visuais... Então, sim, essa foi nossa desculpa para fazer os três filmes", defende Boyens.
 
Colaboradora de Jackson desde os tempos da trilogia "O Senhor dos Anéis", Boyens não esconde a paixão e a devoção quando fala sobre a obra de Tolkien, a quem chamada respeitosamente de "Professor Tolkien" sempre que menciona o escritor e professor de língua inglesa nascido em 1892 e morto em 1973, já como um dos mais famosos e bem-sucedidos autores de literatura fantástica do Reino Unido.
 

Peter Jackson fala sobre filmar O Hobbit depois de O Senhor dos Anéis

  • Mario Anzuoni/Reuters

    Fico feliz de não termos feito 'O Hobbit' primeiro. Por termos feito de trás para a frente, é interessante sabermos que vamos começar 'O Hobbit' com aquele tom mais leve, de conto de fadas, e progrediremos lentamente, à medida que a história avança, para aquilo que ele realmente é: o antecessor de 'A Sociedade do Anel'. No final das contas, as pessoas vão querer assistir aos seis filmes em sequência daqui em diante. Então, eu precisava buscar essa consistência entre eles"

    Peter Jackson, diretor das trilogias "O Hobbit" e "O Senhor dos Anéis"
 
Para adaptar "O Hobbit" - trabalho que realizou juntamente com o próprio Peter Jackson e o também diretor Guillermo del Toro, que chegou a ser nomeado para dirigir a adaptação antes de desistir em 2010 por conta de atrasos na produção -, a roteirista foi buscar informações não só na própria obra, mas em anotações e apêndices como o publicado ao final de "O Retorno do Rei", que fornecem, por exemplo, detalhes sobre passagens que são citadas por cima mas nunca aprofundadas ao longo da versão em livro de "O Hobbit". Como o paradeiro de Gandalf, que no texto original abandona a companhia dos anões na entrada da floresta de Mirkwood e só os reencontra no final da história, na Montanha Solitária.
 
"Honestamente, a gente queria continuar contando essa história. Tem muito o que contar, os personagens estavam funcionando e sentimos que, quando chegávamos a um certo ponto em que tínhamos de encarar a decisão de deixar Gandalf para trás, falamos:  'Ah! Queríamos tanto ir atrás dele!'."
 
O mesmo exercício de imaginação - ou de leitura nas entrelinhas - foi necessário para transformar as nem cem páginas referentes à Batalha dos Cinco Exércitos citada no livro no centro narrativo do último filme da trilogia. Mais uma vez, a escrita detalhista e geográfica de Tolkien, um ex-combatente da Primeira Guerra Mundial, serviram de ponto de partida para o trabalho dos roteiristas.
 
"Tolkien descreveu muito bem a batalha em termos estratégicos e nós fomos razoavelmente seguindo a planta desenhada por ele. Aqui está Dale, que é uma cidade do lado de fora de Erebor e um ponto estratégico na batalha. Se você controla Dale, você controla a batalha. Então é aqui que a luta será mais dura", explica Peter Jackson, num intervalo entre as filmagens no set da cidade de Dale, que o UOL visitou em junho de 2013. "Mas é certo que, com batalhas, quando você vai editar o que filmou, você não quer ter mais de duas ou três tomadas sem ver algum dos seus personagens principais. Você se cansa de ficar vendo só figurantes, dublês ou personagens criados por computador lutando, lutando, lutando... Mas não adianta só botar Gandalf e Bard ou quem quer que seja lutando, você tem de retomar e avançar na história. E o que tentamos fazer é manter essas linhas narrativas do filme se desenvolvendo no meio da batalha, porque assim você segue a história mesmo que, entre uma cena e outra, tenham lutas, ainda assim há a jornada dos personagens, seus relacionamentos e conflitos", justifica o diretor.
 
Na versão para as telas, que o UOL conferiu em primeira mão na semana passada, é exatamente isso o que se vê: ainda que os momentos de ação tomem praticamente mais da metade do filme, o roteiro costura às sequências subtramas ligadas ao histórico de brigas do vilão Azog com a família de Thorin Escudo de Carvalho ou ao triângulo amoroso entre Kili, Tauriel e Legolas, este totalmente inventado por Jackson e Boyens para introduzir uma personagem feminina forte na história - algo que não existia na obra original de Tolkien.
 
"Peter teve que ser, literalmente, como um general, porque há muitos movimentos ocorrendo ao mesmo tempo", afirma Boyens, referindo-se ao embate entre exércitos de elfos, anões, humanos, orcs e águias. "Porque você tem de planejar 'OK, essas forças estão aqui. Mas espere: isso aqui também precisa acontecer' Peter ama filmar cenas de batalhas, elas permitem que sua imaginação literalmente voe, mas uma das coisas que ele também entende é que você não se entrega de verdade à ação a não ser que se importe com os personagens que estão envolvidos nela. Trata-se de encontrar esses momentos e torná-los reais e verdadeiros."
 

Preparação para Sociedade do Anel

Duas décadas atrás, quando começou a pensar em adaptar os livros de Tolkien para o cinema, Peter Jackson imaginava começar por "O Hobbit" - cujos eventos se dão 60 anos antes das histórias da trilogia "O Senhor dos Anéis" - e só depois passar para os livros seguintes. Disputas judiciais entre estúdios, distribuidoras e familiares do autor impediram, no entanto, que "O Hobbit" fosse filmado naquela época e, para não perder os direitos já negociados, o diretor neozelandês seguiu adiante com as adaptações dos três livros - lançadas em 2001, 2002 e 2003, respectivamente. Olhando para trás, hoje, Jackson acha até que foi uma boa começar de trás para a frente.
 
"Fico feliz de não termos feito 'O Hobbit' primeiro, porque se fôssemos só pelo livro, teríamos tido a tendência de fazer uma história mais infantil. E, se a partir dali, fizéssemos 'O Senhor dos Anéis' teria uma diferença de tom. Você iria passar de repente para algo muito mais sombrio. Mas, por termos feito de trás para a frente, é interessante sabermos que vamos começar o 'Hobbit' com aquele tom mais leve, de conto de fadas, e progrediremos lentamente, à medida que a história avança, para aquilo que ele realmente é: o antecessor de 'A Sociedade do Anel'. No final das contas, as pessoas vão querer assistir aos seis filmes em sequência daqui em diante. Então, eu precisava buscar essa espécie de consistência entre eles", conclui.
 
"Todos os seis de uma vez, ó, meu Deus! Você consegue imaginar?", empolga-se outra vez Phillipa Boyens. "Se alguém fizer isso mesmo, vai acompanhar uma espécie de fluxo semi-consciente que nós seguimos [por todos esses anos] sem querer forçar demais. Um dos mais emocionantes é que agora nós sabemos quem é Balin. E, na 'Sociedade', você fica sabendo que ele está agora morto, descansando em seu túmulo. Isso é algo que acho que vai tocar algumas pessoas. E Bilbo? Agora, quando você reencontrá-lo na 'Sociedade', irá tomá-lo como um personagem bem diferente do que antes." Sabe de nada, inocente.

* O jornalista viajou a convite da Warner Bros.