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China vai dominar o mercado de cinema no mundo antes do fim da década

Anamaria Boschi*

Especial para o UOL, em São Paulo

21/09/2015 07h00

Já não é novidade que o mercado de cinema da China, com crescimento de cerca de 35% ao ano, é hoje o segundo maior do mundo, com expectativas de superar o norte-americano em até três anos. Em fevereiro de 2015, pela primeira vez as bilheterias de filmes chineses superaram a de produções norte-americanas –em parte devido ao feriado do Ano Novo Lunar, o mais importante para o povo chinês, quando produções estrangeiras são impedidas de serem lançadas no país.

Novos recordes continuam sendo quebrados. "Velozes e Furiosos 7", por exemplo, arrecadou 391 milhões de RMB (US$ 63,1 milhões) na estreia em abril deste ano, quase dobrando o recorde anterior de "Transformers 4", que fez 194,8 milhões de RMB em 2014. "Velozes 7" chegou ao total de US$ 390 milhões, mais uma vez superando "Transformers 4", com US$ 320 milhões. E os hits continuam.

Para esses filmes de orçamentos estratosféricos e que facilmente fazem mais de US$ 1 bilhão, o mercado da China tornou-se tão importante quanto o mercado doméstico norte-americano, sendo que os últimos filmes das franquias "Velozes e Furiosos" e "Transformers" se saíram melhor na China do que em casa.

O sucesso de Hollywood no mercado chinês, onde tem tomado entre 43,5% e 51,5% da bilheteria todos os anos desde 2009, é ainda mais impressionante levando-se em conta a cota que limita em 34 o número de filmes estrangeiros a estrear por ano. Esse limite é somente mais uma entre várias medidas decretadas pelo governo chinês para tentar garantir que os filmes locais preservem uma participação no mercado de pouco mais de 50%. 

Adequações

Tal sucesso tem alimentado a crítica de que a busca por uma cota maior no mercado chinês tem obrigado Hollywood a se vender. Já se observa a produção de filmes que, na melhor das hipóteses, evitam questões políticas sensíveis, e na pior das hipóteses, oferecem uma imagem excessivamente positiva da China sob o regime comunista.

Mas não dá para negar que algumas medidas para atrair os chineses são no mínimo interessantes. Em "Godzilla", por exemplo, alteraram a nacionalidade do mostro para as Filipinas e a primeira cena de destruição é o ataque a uma planta nuclear no Japão. A rivalidade entre chineses e japoneses é histórica e a escolha não foi gratuita.

Os atores chineses também ganham espaço: em "2012", Lisa Lu; em "Transformers 4", Li Bingbing e o boxeador Zou Shiming; nos próximos filmes de "Avatar", James Cameron garante protagonismo mandarim. Aliás, Cameron já revelou que vai filmar as sequências em um estúdio que está construindo na China. E ainda afirmou não se importar em ter seu roteiro tesourado pela censura.

Os criadores de "Shrek" também abriram uma filial da DreamWorks na China e estão para lançar o terceiro "Kung Fu Panda".

Alguns filmes de Hollywood, no entanto, têm sido ridiculamente dóceis em relação à China e este exagero é muitas vezes criticado por internautas chineses. Filmes como "Looper" por exemplo, têm cenas adicionais destinadas exclusivamente ao mercado do país.

Ainda assim, não é surpreendente que os filmes norte-americanos destinados a mercados estrangeiros sejam adaptados para atender a certas demandas. Essa flexibilidade e capacidade de adaptação são a receita do sucesso de Hollywood a longo prazo.

Mas é interessante comparar a estratégia dos grandes estúdios com os sucessivos esforços chineses em promover o seu soft power no mercado internacional, algo que reflete até nas escolhas dos vilões dos filmes atuais.

Um exemplo recente é "Homem de Ferro 3", onde o personagem Mandarim, vilão clássico de origem chinesa da Marvel Comics, foi transformado em um ator ocidental contratado para desempenhar o papel de vilão.

Cada vez mais, os malfeitores são corporações multinacionais sem nome, conglomerados de mídia, terroristas apátridas, ou até mesmo elementos corruptos dentro do governo dos EUA, com vilões que representam ameaças para todos os países.

China contra Hollywood

Ren Zhonglun, presidente da estatal Shanghai Film Group, revelou as aspirações da indústria cinematográfica chinesa quando disse a um repórter ocidental: "Queremos aprender a fazer filmes que tenham apelo global". As autoridades chinesas declararam abertamente uma guerra contra Hollywood.

No entanto, o sucesso chinês é limitado, porque na China, ao contrário dos Estados Unidos, espera-se que um filme exerça várias funções –inclusive disseminar "valores socialistas " e " elementos do sonho chinês", como pediu Liu Qibao, diretor do Departamento de Propaganda do Comitê Central do Partido Comunista Chinês (PCC), ao elogiar o sucesso de filmes chineses no mercado interno.

Os comentários de Liu podem agradar os dirigentes chineses, mas refletem uma total falta de conhecimento das preferências do público. Esta inserção de requisitos políticos praticamente impede o sucesso mundial. Em contrapartida, Hollywood produz e distribui filmes com apelo universal a todas as culturas.

Além disso, ao vender o "sonho americano", Hollywood tem uma tarefa muito mais fácil do que a tentativa da China de vender o "sonho chinês" a mando do Estado.

Ao contrário do "sonho chinês", que enfatiza a glória da nação e as metas coletivas, o sonho americano salienta prosperidade individual, sucesso, e um aumento no status social, mensagens claras em muitos filmes. Ironicamente, o "sonho americano", na verdade, "vende" melhor mesmo dentro China. Alguns dos filmes chineses mais populares no país abraçam essa temática --como "Finding Mr. Right" (Beijing yu shang Xiyatu)--, ou imitam filmes americanos de sucesso, como "American Dreams in China" (uma espécie de "Rede Social" made in China).

Estratégias para um casamento de longa data

Após um período de namoro, o relacionamento entre Hollywood e a indústria chinesa de cinema entrou em um novo paradigma. A China e os Estados Unidos estão começando a entender as necessidades um do outro. De agora em diante, haverá mais investimento chinês em Hollywood e mais investimento de Hollywood na China. Esses investimentos envolvem finanças, distribuição e coprodução.

O objetivo é claro. A China é o mais novo mercado na Terra e a maior oportunidade de crescimento no horizonte de Hollywood. Hoje, a oportunidade se estende apenas a distribuição, financiamento e vídeo online.

Hollywood também se aproveita do fato de que o chinês quer aprender "o negócio", e muitas das parcerias proporcionam um pré-financiamento para os filmes norte-americanos, bem como ajudam a garantir a distribuição dentro da China.

No entanto, pelo menos até esse momento, essas parcerias com a China contribuem pouco para promover os filmes chineses em mercados ocidentais, o principal objetivo do governo chinês.

Mesmo assim, a presença chinesa vai se fazer notar cada vez mais no ocidente de outra forma. Considerando que quase a totalidade dos nossos cinemas são tomados por grandes produções de Hollywood, é bem provável que em breve estaremos consumindo cada vez mais elementos da cultura chinesa sem nos darmos conta.

* Anamaria Boschi é curadora da Mostra de Cinema Chinês, que ocorre em outubro em São Paulo. Em 2011, ela assumiu a produção e direção artística do Festival de Cinema Brasileiro em Pequim e Xangai. Em 2012, produziu a mostra Foco Brazil, parte do Festival Internacional de Cinema de Xangai.