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Preservação de filmes incendiados na Cinemateca é complexa, diz químico

Corpo de Bombeiro combate o incêndio que atingiu a Cinemateca Brasileira - J.Gitti/Futura Press/Estadão Conteúdo
Corpo de Bombeiro combate o incêndio que atingiu a Cinemateca Brasileira Imagem: J.Gitti/Futura Press/Estadão Conteúdo

Felipe Branco Cruz

Do UOL, em São Paulo

03/02/2016 20h04

O incêndio que atingiu a Cinemateca Brasileira, na madrugada desta quarta-feira (3) em São Paulo, destruiu cerca de 1.000 rolos de filme. Todos eles eram feitos de nitrato de celulose, um material autoinflamável, característico da produção de películas nacionais até a década de 1940. Pola Ribeiro, secretário do Audiovisual do MinC (Ministério da Cultura), responsável pela entidade, disse que o armazenamento de nitrato de celulose "é quase como uma morte anunciada", já que pode entrar em combustão espontânea se submetido ao calor intenso.

De acordo com Guilherme Marson, professor doutor do Instituto de Química da USP (Universidade de São Paulo), muitos compostos nitratados são realmente reativos, podendo sofrer reações químicas rápidas e liberando grande quantidade de energia. "Em condições que favoreçam essas reações, eles podem se tornar explosivos".

Marson diz que, em condições favoráveis, o material é estável, mas que o armazenamento é extremamente complexo e caro. Em ambiente seco e quente, se houver algum tipo de de ignição (um atrito, uma faísca ou mesmo a eletricidade estática da mão), pode mesmo haver uma autocombustão. Já um ambiente úmido, pode desencadear fungos.

A Cinemateca possui quatro câmaras projetadas exclusivamente para armazenar as matrizes (originais) em nitrato de celulose, seguindo normas internacionais de preservação. A sala atingida pelo fogo tem apenas 20 metros quadrados e, para evitar faíscas, não existem interruptores nem ar condicionado e há um vão entre as paredes e o teto, além de paredes vazadas com cobogós. Os filmes estavam armazenados em estojos de estireno, um tipo de plástico que não gera atritos no material.

Para Marson, as medidas de segurança do local estão dentro das medidas adequadas. "É preciso ver se alguma coisa causou algum curto. Hoje o dia em São Paulo foi bastante quente e seco. Isso pode ter colaborado para causar a autocombustão". 

Película fácil de moldar

O nitrato de celulose foi o primeiro plástico a ser descoberto, feito de polpa da madeira (celulose) com ácido nítrico concentrado. O material passou a ser usado como película de cinema porque era fácil de moldar e se esticar em longas tiras. Por causa desta característica autoinflamável do material, a indústria cinematográfica passou a utilizar, a partir da década de 1950, acetato de celulose, que foi posteriormente substituído por poliéster, já na década de 1980.

Na ficção, incêndios causados pelos filmes produzidos em nitrato de celulose foram mostrados em longas como "Cinema Paradiso" (1988) e "Bastardos Inglórios" (2009). No primeiro, o filme pega fogo por causa do calor do projetor. No segundo, os rolos são usados como combustível para iniciar um incêndio que mataria Adolf Hitler dentro de uma sala de cinema.

O professor lembrou que o explosivo nitroglicerina também é um nitrato, embora bem mais instável que o de celulose. "A nitrocelulose (nitrato de celulose) guarda semelhanças químicas com a nitroglicerina. Ela é inflamável e a eletricidade estática pode desencadear a combustão nos rolos", explicou.