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Com drama juvenil, Todd Haynes é aplaudido em Cannes e alfineta Netflix

Bruno Ghetti

Colaboração para o UOL, em Cannes (França)

18/05/2017 09h58

O novo trabalho do cineasta Todd Haynes ("Carol"), o drama “Wonderstruck”, foi recebido com aplausos no Festival de Cannes, onde foi exibido na manhã desta quinta-feira (18) na competição oficial. Desta vez, sai de cena o drama feminino, especialidade de Haynes (que ele mostrou em filmes como “Carol” e "Longe do Paraíso"), e entram em foco duas tramas do universo infantil, atípico no cinema do diretor americano.

No entanto, mais uma vez, um dos pontos altos da entrevista coletiva foi um assunto que não tem relação direta com o longa, mas sim com o grande tema desta edição de Cannes: a participação da Netflix no evento, com filmes que estrearão diretamente em streaming, em tela pequena (sem passar por salas tradicionais).

Produzido em parte pela Amazon Prime Video, que também tem serviço de streaming, “Wonderstruck” já tem estreia em tela grande garantida. Ainda assim, Haynes foi indagado sobre sua opinião a respeito da controvérsia.

“Só ouvi um pouco sobre isso desde que cheguei a Cannes. Mas [a questão] não diz respeito à Amazon, que tem uma equipe de cineastas, pessoas que adoram, amam o cinema”, alfinetou. “Nós filmamos em negativos, tanto as cenas em preto e branco quanto as em cores, no formato de tela que quisemos”, disse, evitando se prolongar muito no assunto.

Trama de época

A trama de "Wonderstruck" se passa em dois períodos diferentes, mostrados em idas e vindas temporais: nos anos 1920, uma menina surda-muda foge de casa atrás de sua estrela de cinema favorita. Na outra parte do longa, passada nos anos 1970, um garoto também sai de casa, em busca da identidade de seu pai. Ambas as reconstituições de época são caprichadas, especialmente a dos anos 1970, que traz as cores da Nova York cotidiana da época, sem os excessos de brilhos e da estética “disco” que a maioria dos filmes setentistas insistem em adotar.

Julianne Moore em cena de "Wonderstruck" - Divulgação - Divulgação
Julianne Moore em cena de "Wonderstruck"
Imagem: Divulgação

O filme é repleto de referências cinematográficas, que vão do expressionismo alemão a Alfred Hitchcock. “Se volto tanto ao passado é porque, dessa maneira, posso ser sempre um estudante de cinema. Isso me dá desculpas de estar sempre recorrendo a filmes antigos”, disse o cineasta, justificando por que faz tantos filmes com tramas no passado.

Na estrutura, o filme lembra uma mescla de “As Horas” com “A Invenção de Hugo Cabret” (o livro em que "Wonderstruck" se baseia é do mesmo autor, Brian Selznick). A certa altura, as histórias das duas crianças acabam se encontrando, de uma maneira que, para uns, soa bastante emocionante – embora as pessoas sem tanta boa vontade com o filme talvez percebam as soluções do roteiro como mais propriamente “forçadas” que qualquer outra coisa. Mas, pelo comentário geral, o longa parece ter sido aprovado pelos críticos.

“Wonderstruck” marca a volta da colaboração entre Julianne Moore e Haynes – os dois já fizeram juntos “A Salvo”, “Longe do Paraíso” e “Eu Não Estou Lá”. “Quando filmamos pela primeira vez juntos, éramos jovens, mas fiquei chocado porque ali encontrei minha alma gêmea. Eu ainda estava tateando no vazio, e Julianne me ajudou muito a encontrar um sentido para aquele filme”, disse o diretor, sobre sua musa.

A atriz preferiu comentar a relação de ambos com uma brincadeira: “A diferença [de lá para cá] é que, com o tempo, ele se tornou mais cruel”, arrancando risadas dos jornalistas. Mas depois reafirmou a amizade entre ambos: “É um privilégio e um choque trabalhar com ele. É um gênio tão absoluto… Você nem precisa fazer muito nas filmagens: Todd já faz praticamente tudo por você”, revelou a atriz.

Um dos destaques do elenco, a atriz-mirim Millicent Simmonds, surda-muda também na vida real, comunicou-se com a imprensa por meio de linguagem de sinais. Haynes disse que optou de propósito por uma deficiente auditiva. “O casting foi essencial para a escolha da atriz. Queríamos alguém fantástico e também alguém que fosse realmente surda. Pedimos para várias pessoas nos enviarem vídeos e foi assim que achamos essa garota. Logo que vi o filme dela pela primeira vez, me arrepiei todo. Havia algo muito verdadeiro ali”, disse o cineasta.

Michelle Williams, que tem um pequeno papel no longa, comentou. “Eu fico aqui, apenas escutando… E é exatamente isso trabalhar com crianças, eu adoro. Você absorve tanto”, disse. Em seguida, Moore completou: “O que mais gosto nessa minha profissão e que tudo se dissolve – idade, gênero, nível cultural – na hora de filmar. Todos se igualam”, disse a atriz.