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Filme de Terry Gilliam sobre cansaço da tecnologia é aplaudido em Veneza

Neusa Barbosa

Do UOL, em Veneza (Itália)

02/09/2013 10h27

Foi recebido com muitos aplausos nesta manhã de segunda-feira (2), no Festival de Veneza, a nova distopia futurista do diretor norte-americano Terry Gilliam, “The Zero Theorem”, com um elenco estelar encabeçado pelo austríaco Christoph Waltz (“Bastardos Inglórios”), na pele do especialista em computadores Qohen Leth, atormentado pela busca de sentido na vida, e pela figura misteriosa da Administração (Matt Damon).

Nem Waltz nem Damon estiveram na disputada entrevista coletiva do filme, a que compareceram os atores David Thewlis (“Cavalo de Guerra”) e Mélanie Thierry (“Missão Babilônia”), e em que Gilliam comandou a cena com respostas espirituosas e algumas declarações surpreendentes. Como a de que as filmagens em Bucareste não tiveram as habituais restrições de segurança de uma produção cinematográfica. "Cada um tinha que cuidar da própria vida. Estávamos livres! Felizmente, tudo deu certo", declarou o diretor, arrancando gargalhadas dos jornalistas.

Figurino barato
Gilliam também surpreendeu ao admitir que, devido a limitações de orçamento – as mesmas que o levaram a optar por Bucareste, preterindo a Inglaterra e a Itália – o levaram a ter que usar tecidos muito baratos no colorido e criativo figurino do filme. "Felizmente, descobrimos um mercado chinês nos arredores de Bucareste, onde se podia comprar tecido a quilo, não a metro. O tecido era péssimo! Por causa disso, Matt Damon e os outros atores suavam como porcos ali dentro. Felizmente, na tela ficou lindo".

O orçamento restrito e a rapidez das filmagens (dois meses) também pressionaram os atores. "Não tivemos tempo de ensaiar. Acho que até por isso fazer este filme foi mais divertido do que os outros, porque não tivemos tempo de ser responsáveis", disse o diretor. Gilliam também contou que, por conta de compromissos de Matt Damon, só pode contar com ele por quatro dias e que David Thewlis, que fazia simultaneamente outro filme no Canadá, ficou indo e voltando à Romênia.

Salvo pela tecnologia
A tecnologia, que está no centro do roteiro, escrito pelo professor universitário Pat Rushin, teve um papel concreto para a realização de "The Zero Theorem". Segundo Gilliam, houve três momentos do filme gravados por iPhone. "Como um em que precisei de um áudio de Mélanie Thierry e ela estava no sul da França. A tecnologia nos salvou!", lembrou.

Entretanto, como o protagonista do filme, o cineasta admite que tem uma relação ambígua com a tecnologia e a era da internet. "Não sou um 'geek', claro, mas cada vez mais me sinto seduzido pelo computador. Minha mulher se pergunta o que está nos acontecendo com os seres humanos. Também me pergunto. Acho que isso começa a consumir sua vida. Quanto mais estamos conectados, mais entendemos essas coisas".

O diretor destacou que "se preocupa" com o aumento das relações virtuais entre as pessoas. "Cada vez mais as pessoas se conectam via computador, usam nomes falsos. A publicidade na TV vende um mundo belo, perfeito, como se fôssemos todos deuses. Mas não somos assim. Isso me preocupa". Lamentou, também, os desvios de alguns movimentos deflagrados pela internet: "O que chamamos de Primavera Árabe tornou-se o Inverno Impossível". Entretanto, destacou "não ter respostas" sobre essa questão e que fez esse filme "para discutir tudo isso".

Quebrando a seriedade, Gilliam negou a hipótese de que "The Zero Theorem" seja o último capítulo de uma trilogia futurista em sua obra, iniciada com "Brazil: O Filme" (1985) e "Os Doze Macacos" (1995). "Não, não é uma trilogia. Apenas costumo dizer isso porque soa mais inteligente, profundo e acadêmico e parece melhor para dizer à imprensa", disse, rindo. Mas admitiu ver "referências" a "Brazil: O Filme” no novo longa.

Papel e caneta
Na mesma linha, o ator inglês David Thewlis, que interpreta na tela um supervisor da firma de computação, afirmou que "se sente mal quando passa tempo demais diante do computador" e que toma atitudes do tipo usar papel e caneta para combater isso. "As pessoas gastam tempo e coração demais na tecnologia. Este filme fala sobre isso".

E a atriz francesa Mélanie Thierry contou que não está no Facebook ou no Twitter por opção. "Tudo isso anda me aborrecendo", afirmou.