Falta de distribuição ou planejamento deixam filmes nacionais sem salas
“Insônia”, novo filme protagonizado por Luana Piovani, estreou nesta sexta-feira (14) após mais de cinco anos do início das filmagens. Em 2008, quando a equipe registrou a última cena sobre a história dos conflitos de uma adolescente, as redes sociais não tinham o papel que tem hoje e Luana, agora mãe, ainda namorava Dado Dolabella.
Hoje, se você não tem perfil definido como uma comédia de costumes, sem a Globo Filmes e uma distribuidora grande por trás, você quase não tem chances
Remontagens, problemas na captação de recursos e conversões técnicas fizeram com que o longa empacasse, mas outra questão, bastante conhecida de produtores e cineastas brasileiros, também colaborou para a demora: a dificuldade de se distribuir e lançar o filme.
“Ficamos quase um ano com o filme parado. Já sabíamos que teríamos o problema da distribuição pelo fato do filme não ter tanto apelo”, conta o produtor de “Insônia”, Beto Rodrigues.
Um longo caminho à tela
De grandes produções aos experimentais, alguns filmes empacados:
Destino
Dir.: Moacyr Góes. Com Lucélia Santos Finalizado em 2009. Ainda não estreou
Anita e Garibaldi
Dir: Alberto Rondalli. Com Ana Paula Arósio
Estreou oito anos após o término das filmagens
As Tentações do Irmão Sebastião
Finalizado em 2006. Passou por mostras, mas não estreou
Quase um Tango...
Finalizado em 2009. Estreou em salas escassas em 2013
Bonitinha, mas Ordinária
Dir.: Moacyr Góes. Com João Miguel e Letícia Colin
Finalizado em 2008. Passou desapercebido pelos cinemas em 2013
O Diário de Tati
Dir.: Mauro Frias. Com Heloísa Perissé
Filmado em 2006. Estreou apenas em 2012 e surpreendeu com cerca de 300 mil espectadores
O que poderia ser um acidente de percurso, na verdade assola a produção nacional. Uma lista imensa de filmes aguarda o parceiro ideal que “compre” a ideia do longa e se arrisque a lançá-lo. Foi assim com a coprodução sino-brasileira “Destino”, com Lucélia Santos e direção de Moacyr Góes. O filme estreou em Xangai em 2009 e passou pelo festival de Paulínia no mesmo ano. No entanto, não se tem notícia de quando ele realmente será lançado. Outro exemplo é o experimental “As Tentações do Irmão Sebastião”, de José Araújo, que passou na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo em 2006 e desde então nunca mais se ouviu falar.
Filmado em 2009, "A Primeira Missa", com a filha de Charlie Chaplin, Geraldine Chaplin, no elenco, a volta às telas da diretora Ana Carolina já foi exibido em Portugal. Nas telas brasileiras, por enquanto, nenhum sinal.
“A distribuição é o único problema do cinema brasileiro. É uma tragédia, uma falta absoluta de critérios”, reclama o produtor executivo do filme “Anita e Garibaldi”, Rubens Gennaro. O filme, protagonizado por Ana Paula Arósio, demorou oito anos para encontrar um lugar seu nas telas. Na época da estreia, o produtor criticou a atriz, que após as filmagens, abandonou a vida de estrela para viver em uma fazenda. Longe da vida pública, Arósio não foi ao lançamento e nem participou de entrevistas que poderiam ajudar na publicidade do filme.
Com o filme em cartaz, Gennaro não aplacou. “Colocaram o filme um dia na sessão das 18h, e no dia seguinte mudaram para às 13h. 90% do interesse é voltado ao cinema americano”. Faltou um trabalho de publicidade? Gennaro admite que sim, mas aponta o que considera ser o maior problema: “Eu não tenho dinheiro para pagar mídia, comercialização”.
Procurada pelo UOL, a Ancine (Agência Nacional do Cinema) não respondeu aos questionamentos dos produtos ouvidos pela reportagem. Sabe-se, no entanto, que o órgão possui duas linhas de investimento, dentro do Fundo Setorial, para distribuição e comercialização, mas muitas vezes a distribuidora precisa investir recursos também.
Dependendo do filme, o custo na divulgação é considerado um risco, principalmente se for um filme menor, autoral e distante de blockbusters, como “Tropa de Elite”, “Se Eu Fosse Você” ou “De Pernas Pro Ar”, títulos cujo gêneros já foram experimentados e que são considerados as verdadeiras galinhas dos ovos de ouro – não à toa, as três sequências figuram entre os 20 filmes nacionais com maior bilheteria da história.
Há uma produção nacional muito forte, mas não se pensa no público, no lançamento, no mercado, no marketing. O que não dá é gerar um filme num formato que não tem futuro
Adhemar Oliveira, da Espaço Filmes e da rede exibidora Espaço de CinemaCom “Insônia”, foi a mesma coisa. “Tentamos o caminho com muitas distribuidoras, mas não tínhamos um recurso substancial”, conta Beto. “Hoje, se você não tem perfil definido como uma comédia de costumes, sem a Globo Filmes e uma distribuidora grande por trás, você quase não tem chances”, explica.
Adhemar Oliveira conhece as duas etapas do processo de lançamento de um filme mais importante. Ele é fundador da rede exibidora Espaço de Cinema com salas em Brasília, Curitiba, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo, e também é distribuidor, com a Espaço Filmes, onde se dedica a exibição de filmes especiais, como o experimental “Viajo Porque preciso, Volto Porque Te Amo”, de Karim Aïnouz e Marcelo Gomes, e agora com “Insônia”.
Programa premia distribuidoras para lançar filmes no exterior
O programa Cinema do Brasil, pilotado pelo cineasta e diretor-executivo do MIS (Museu de Imagem e de Som, em São Paulo) André Sturm, desenvolve um trabalho forte de incentivo às distribuidoras que querem lançar filmes nacionais. Mas no exterior. “A gente oferece às distribuidoras que vão lançar filmes brasileiros um valor em dinheiro para ele gastar com despesas do lançamento. Ano passado tivemos 40 inscritos e conseguimos contemplar 20 lançamentos de filmes brasileiros com apoio do Cinema no Brasil”. Prova do sucesso do prêmio são os filmes “Praia do Futuro”, de Karin Aïnouz, e “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho”, de Daniel Ribeiro, todos contemplados pelo programa, e atrações no Festival de Berlim. Guardada as devidas proporções, o risco de lançar uma produção no exterior encontra semelhanças no trabalho de lançamento de um filme no Brasil. “Para lançar um filme no cinema, você tem que correr todos os riscos antes, fazer cópias. Não tem essa coisa de ‘não deu certo, vamos guardar o filme e lançar de novo’. Não é uma loja, não tem estoque. Com esse recurso, o distribuidor diz ‘meu risco agora é só uma parte’” explica Sturm
No entanto, ele não engrossa o coro dos descontentes e aponta falta de planejamento como motivo para os filmes não chegarem ao público. “Há uma produção nacional muito forte, mas não se pensa no público, no lançamento, no mercado, no marketing. Existir produção é bom, mas existir produção e não ter escoamento, é ruim. O que não dá é gerar um filme num formato que não tem futuro”, ele explica.
“Você tem uma concorrência violenta de salas, ainda mais no Brasil onde temos 5 mil salas. Dependendo do tipo de filme, ele tem mais resistência ainda. Você acha que a gente não discute com as pessoas: olha o filme vai chegar apenas até aqui [de público e bilheteria]? A vontade do artista é ser visto por milhões”
Especialista em mercado cinematográfico, o jornalista Pedro Butcher avalia que anos atrás a situação era mais drástica. “Filmes que não estreiam existiram e sempre vão existir. Mas a situação já foi muito mais grave. O Fundo Setorial tem complementações e o aumento das salas dá uma respirada. Tem muitas distribuidoras que estão fazendo um movimento bom com o cinema nacional”, explica.
Longe dos blockbusters, Pedro dá exemplos de filmes que ficariam restritos aos amigos do diretor em outros tempos, mas que hoje ganham repercussão dentro do seu nicho. “[O documentário] ‘O Renascimento do Parto’ foi feito via crowdfunding e ganhou uma super adesão. Foi distribuído pelo Espaço Filmes e foi um sucesso. Um filme com financiamento coletivo através de um site”.
Outras soluções estão sendo testadas para que os filmes tenham vida pelo menos na tela da TV e do computador. O diretor Roberto Santucci, eleito o atual midas do cinema nacional, pelo estrondoso sucesso de “De Pernas Para o Ar” e “Até que a Sorte Nos Separe” – com média de 4 milhões de espectadores cada um --, tem um filme de 2008 não lançado, “Alucinados”, realizado na época em que ele corria de um lado para o outro buscando parcerias com distribuidoras e exibidores, mantém a fé de que o longa pode finalmente ver à luz com um lançamento online.
Filmes como “ Não Se Pode Viver Sem Amor”, de Jorge Duran, com Cauã Reymond no elenco, não conseguiu espaço na programação das salas, após passar por festivais em 2010. O longa chegou a estrear em salas escassas um ano depois, mas ganhou segunda chance em DVD e na grade do Canal Brasil. O segundo filme de Oswaldo Montenegro, “Solidões”, com Vanessa Giácomo, é o próximo título da parceria com a emissora de TV por assinatura. A produção vai estrear direto na TV.
* Com colaboração de Mariane Zendron
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