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"Feminista", autora de "50 Tons" defende o direito das mulheres à fantasia

Eduardo Graça

Do UOL, em Nova York (EUA)

11/02/2015 14h00

A afirmação está na ponta da língua da escritora E.L. James, responsável por um dos mais impressionantes sucessos literários do século, “Cinquenta Tons de Cinza”, a partir desta quinta (12) nos cinemas brasileiros: “Quero deixar claro que sou uma feminista. Quem comanda meu escritório é uma mulher. A roteirista e a diretora deste filme são mulheres. Sou pró-igualdade de gênero no pagamento de salários. Agora, não podemos esquecer que mulheres, feministas como eu, também têm fantasias, e conquistamos o direito de tê-las".

"É o credo patriarcal que segue repetindo: 'você não tem o direito de fantasiar sobre determinado tema, é perigoso para você, estamos protegendo você", continua James. "Ora, isso é um pensamento misógino!”. O basta é dado na semana em que o primeiro filme baseado na trilogia criada pela ex-executiva de TV inglesa chega aos cinemas do mundo todo, com o recorde de pré-vendas de ingressos de Hollywood, o anúncio de uma nova versão do para salas em formato Imax e a multiplicação de protestos de grupos contrários à violência doméstica, defensores de um boicote ao filme.

A própria protagonista, Dakota Johnson, também é direta ao defender o tema do longo. "Quem acredita que nosso filme, de alguma maneira, afronta os direitos das mulheres, é mal informado e um pouco tacanho. Só posso imaginar que estas manifestações venham de mulheres que desejariam ter mais autonomia em suas vidas. Não há abuso sexual, não há nenhum personagem feminino retratado no filme que é ‘menor’ do que o masculino", argumenta Johnson.

"Anastasia tomou as rédeas de sua vida, é ela quem decide viver esta relação do modo que Christian quer. Para mim, é claro, trata-se de um filme sobre uma mulher que está aberta para explorar sua intimidade e sexualidade. Isso é algo belo. E se eu fizer com que pelo menos uma mulher saia deste filme mais confiante em relação à sua própria sexualidade, já será uma senhora vitória".

“Cinquenta Tons de Cinza”, surgido como um esboço de conto escrito pela autora em um fórum eletrônico de fãs de "Crepúsculo", trata do encontro da virginal Anastasia (Dakota Johnson) com Christian Grey (Jamie Dornan), um empresário bilionário, jovem, atlético e recluso, cujo prazer sexual é ser o dominador de uma relação sadomasoquista heterossexual.

Interferências nas filmagens

Do livro para filme se passaram três longos anos, com protagonistas que desistiram da empreitada no meio do caminho, rumores sobre conflitos no set entre a autora (e produtora "ativamente participativa") e a diretora (Sam Taylor-Johnson, britânica conhecida dos cinéfilos por “O Garoto de Liverpool”, em torno dos anos formativos de John Lennon), e entre os dois protagonistas.

"Quando você tem um monte de gente criativa no mesmo projeto, é claro que os conflitos e as discussões não serão mesmo economizados. Mas o resultado finalmente está na tela e, apesar de ter demorado muito, para o meu gosto, estou feliz. Agora, para mim, o mais importante é lembrar sempre que foram os fãs que nos colocaram aqui onde estamos", afirma a autora.

E.L. James

  • Mike Coppola/Getty Images/AFP

    É o credo patriarcal que segue repetindo: 'você não tem o direito de fantasiar sobre determinado tema, é perigoso para você, estamos protegendo você. Ora, isso é um pensamento misógino!

    E.L. James, autora de "Cinquenta Tons de Cinza", defendendo sua história de acusações de machismo e de mostrar uma relação abusiva

Ela aponta que o sucesso de seu trabalho foi uma surpresa, do interesse das editoras à disputa acirrada de estúdios de Hollywood pelos direitos de adaptação, e explica que os fãs são um dos motivos de sua presença no set. "Pensei: trabalhei a vida toda nos bastidores da televisão inglesa e sempre sonhei em fazer um filme. Pois bem: juntou-se este desejo à vontade de ser a representante de fato dos fãs no processo e, essencialmente por causa deles, decidi ser uma produtora presente durante as filmagens".

Para ela, o sucesso de "Cinquenta Tons de Cinza" tem a ver com dois aspectos: "O tema e o fato de que escrevi este livro apenas e tão somente para mim. Algumas coisas que encontrei no mundo do S&M me perturbaram de verdade, depois de mergulhar nas pesquisas, mas não falo sobre isso. É um universo que me intrigou, que me fez pensar, me levou a escrever por prazer próprio", conta.

O filme não é nem especialmente melhor nem marcadamente pior do que o livro, e as fãs, que se juntaram aos jornalistas na exibição em Nova York deram o tom do fascínio feminino pelo "Sr. Cinza", com gritos em altíssimos decibéis a cada momento em que Dornan aparecia mais despido. As cenas de sexo são fartas para os padrões Hollywoodianos, mas não especialmente tórridas.

"Eu me senti à vontade o tempo todo", conta Dakota Johnson, 25 anos, que, para a decepção das fãs, aparece mais vezes nua do que seu par. "Foi importante termos filmado aos poucos, durante três meses, até que finalmente ‘entramos, com as câmeras, no quarto vermelho do Christian, onde as fantasias dele viram realidade’. Quando abrimos aquela porta, já estava completamente à vontade". Filha dos atores Melaine Griffith e Don Johnson, a ex-Miss Globo de Ouro faz seu primeiro papel de fôlego em Hollywood.

Para E.L. James, Johnson foi fundamental para que o resultado final do primeiro filme inspirado em sua obra ficasse "do meu agrado".

"Quando acertamos que Sam seria a diretora, ela já trouxe o elenco dela na cabeça, foram escolhas dela. A Dakota é uma revelação, uma mulher luminosa, divertida. E por conta de tudo o que aconteceu, a coisa toda com Charlie Hunnam [que desistiu antes das filmagens], todo mundo sabe que o Jamie não era o primeiro nome da nossa lista. Mas ele foi um substituto que se saiu melhor do que a gente esperava. Hoje, honestamente, penso: ainda bem que ele é o nosso Grey", diz a autora.

Novo livro

Moradora do subúrbio de Londres –a ação de “Cinquenta Tons”, no entanto, se dá no Pacífico Norte dos EUA, centrada em Seattle e Portland– casada e mãe de dois filhos, ela diz que a vida segue tranquila e que prepara um novo livro (“segredo, guardado a sete chaves, não posso contar mais nada”), cujo personagem principal "tem um gosto musical bem diverso do meu".

"E isso faz tudo ficar mais difícil na hora de escrever. Veja bem, a Anastasia e o Christian são ambos meus filhos, tem muito de mim nos dois, mas o gosto musical dele é igualzinho ao meu, e permeia a narrativa", diz, rindo, e se negando, de modo firme, a dar quaisquer detalhes sobre os dois próximos filmes da trilogia, sequer se Sam Taylor-Johson seguirá na direção.